terça-feira, 24 de novembro de 2015

AS EXPORTAÇÕES DO AGRONEGÓCIO CRESCEM COM A DESVALORIZAÇÃO DO REAL. O BRASIL LIDERA VENDAS DE SOJA NO MERCADO MUNDIAL





            A soja brasileira, por anos seguidos, tem liderado as exportações do agronegócio, que vende como nunca para o mercado mundial, notadamente para a China, que se destaca pelo grande volume de aquisições. A respeito do assunto, vejamos o que diz a notícia encontrada no Site do Globo Rural:

“As importações de soja brasileira pela China cresceram 47,2% em outubro ante o mesmo mês de 2014, para 3,88 milhões de toneladas, mas recuaram ante o volume de setembro, segundo dados recentes da alfândega chinesa.

Em setembro, as importações chinesas do produto brasileiro tinham somado 5,1 milhões de toneladas. A disponibilidade de soja do Brasil está menor, após o país já ter escoado a maior parte de sua safra recorde.

No acumulado do ano até outubro, as importações de soja do Brasil pelos chineses aumentaram 18%, para 36,9 milhões de toneladas.”

            Como podemos comprovar, tão somente para o mercado chinês o Brasil havia exportado até outubro deste ano 36,9 milhões de toneladas de soja. É, indiscutivelmente, um volume fantástico de produção. É por isso que o nosso País é hoje o maior exportador de soja do mercado internacional. E,  por incrível que pareça, com a desvalorização do Real frente ao Dólar, as exportações do agronegócio tendem a aumentar de volume, já que os nossos produtos passaram a custar menos no mercado externo. E a China continua sendo ainda o mercado que mais compra a soja brasileira. Essa afirmação é confirmada pela Globo Rural que nos informa:    

“A China é o maior importador global de soja, enquanto o Brasil é o maior exportador da oleaginosa.

Os embarques da Argentina também avançaram em outubro na comparação anual, para 919 mil toneladas, alta de cerca de 30%.

A desvalorização do real e do peso argentino ante o dólar tem melhorado a competitividade dos grãos da América do Sul no mercado internacional, especialmente ante o produto dos Estados Unidos.”

            A Argentina, muito embora tenha tido em 2015 um avanço significativa nas vendas de soja para o mercado chinês, mesmo, assim, o volume de soja exportado ainda pode ser considerado inexpressivo, quando comparado com o montante de negócios realizado pelo Brasil. O Brasil é líder indiscutível de vendas da oleaginosa no mundo. Informa ainda o Globo Rural:  

“As importações de soja dos EUA, que acabam de finalizar a colheita, tendem a avançar nos próximos meses, à medida que a oferta na América do Sul fica mais escassa.

Em outubro, as chegadas do grão norte-americano na China cresceram mais de 100%, para 512 mil toneladas, mas ainda ficaram em volumes relativamente baixos frente ao produto de outras origens.

As importações de soja pela China de todos os destinos somaram 5,5 milhões de toneladas em outubro (alta de 34,8%), enquanto no acumulado do ano avançaram 14,6%, para 65,2 milhões de toneladas.”

            O fato é que, enquanto a China permanecer crescendo, não falta mercado para a soja brasileira. Mas o agronegócio brasileiro não se destaca só na produção de soja. O Brasil é líder mundial também de produção de café, de cana-de-açúcar e de carne de franco. Em matéria de agronegócio, somos um “gigante pela própria natureza”.

domingo, 8 de novembro de 2015

O AGRONEGÓCIO COMO PRIORIDADE PARA EXPORTAÇÃO É UMA DAS CAUSA DA FOME NO BRASIL

O Governo brasileiro, apesar das necessidades do mercado interno, sempre priorizou a agricultura voltada para a exportação, tudo isso em razão da necessidade de melhorar o desempenho da balança comercial, evitando déficit que possam comprometer o equilíbrio das contas externas. E isso fica evidente quando comprovamos, segundo previsões de safras para 2013/2014, que o maior índice de crescimento ocorre exatamente na área plantada e na produção da soja, produto voltado mais para o mercado internacional.

           É o que encontramos no site do Estadão. Confirma: “A pesquisa do IBGE estima área cultivada de 52,7 milhões de hectares no Brasil - uma queda de 11.749 hectares em relação à previsão do mês anterior. Entre as principais culturas do País, soja e milho tiveram crescimento na área a ser colhida de 11,2% e 7,7%, respectivamente, em relação a 2012. O arroz, por sua vez, teve queda de 0,6%. Juntas, as culturas representam 93% da produção nacional.”

           Como se vê, a cultura do arroz, que se destina basicamente ao mercado interno, em vez de crescer, apresenta queda de 0,6% (zero vírgula seis por cento) em relação à safra 2012/2013. Apesar de tudo, há excedente para o crescimento interno do agronegócio, que nasceu com o crescimento da produção de grãos, iniciada em larga escala a partir de meados da década de setenta. A economia agrícola brasileira até então era caracterizada pelo predomínio do café e da cana de açúcar. A produção de alimentos básicos, como milho, arroz e feijão, era voltada para a subsistência, e os poucos excedentes dirigidos ao mercado eram insuficientes para formar uma forte cadeia do agronegócio dentro dos moldes hoje conhecidos.

           O crescimento da produção de grãos deu dinamismo ao agronegócio brasileiro e seus efeitos dinâmicos se manifestaram em toda a economia, com o surgimento de parque industrial para a extração do óleo e do farelo da soja e outros grãos. A disponibilidade de grande quantidade de farelo de soja e milho permitiu o desenvolvimento de uma moderna e sofisticada estrutura para a produção de suínos, aves e leite, bem como a instalação de grandes frigoríficos e fábricas para a sua industrialização. Os conhecimentos aqui explicitados são ratificados pelo Ministério da Agricultura, que, em artigo disponibilizado na internet (2004, p.01), assim se posiciona:

           “Moderno, eficiente e competitivo, o agronegócio brasileiro é uma atividade próspera, segura e rentável. Com um clima diversificado, chuvas regulares, energia solar abundante e quase 13% de toda a água doce disponível no planeta, o Brasil tem 388 milhões de hectares de terras agricultáveis férteis e de alta produtividade, das quais 90 milhões ainda não foram explorados. Esses fatores fazem do país um lugar de vocação natural para a agropecuária e todos os negócios relacionados à suas cadeias produtivas. O agronegócio é hoje a principal locomotiva da economia brasileira e responde por um em cada três reais gerados no país.”

           O avanço na produção fomentou também as indústrias de fertilizantes, defensivos, maquinários agrícolas, e com isso surgiu uma grande rede de distribuição, que inclui desde as grandes cadeias de supermercados até os pequenos varejistas locais. O agronegócio ganhou fôlego com a política agrícola adotada pelos militares na década de setenta, sendo hoje a atividade que mais cresce no país. Tornou-se vital para a geração de “superávit” na balança comercial, conforme se comprova pela citação retirada de artigo da Federação da Agricultura e pecuária do Estado de S.Paulo – FAESP:

           “Apesar da deterioração da conjuntura econômica global, com reflexos nos preços das commodities e uma redução na produção devido à estiagem, esperamos que as exportações do agronegócio brasileiro ultrapassem a marca de US$ 100 bilhões em 2012.”

           Como se conclui, é o agronegócio responsável pelo bom desempenho que vem sendo obtido pelo Brasil na balança comercial. Segundo, ainda, a mesma fonte acima referida, “Mais uma vez a balança comercial do agronegócio brasileiro mostra vigor e resguarda o Brasil de um perigoso déficit comercial. Desde 2001, quando a balança comercial tornou-se positiva, o desempenho do agronegócio tem sido apontado como o grande responsável pelo superávit brasileiro, pois, excetuando as exportações do setor, o resultado da balança comercial seria inegavelmente negativo."

          É evidente que o Brasil dispõe de condições peculiares para a atividade agropecuária, como clima privilegiado, solo fértil, disponibilidade de água e inigualável biodiversidade, além de mão-de-obra qualificada, mas para que o país atingisse o atual grau de desenvolvimento, o governo investiu na modernidade da atividade rural, oferecendo ao produtor o necessário estímulo, como crédito, preços mínimos e seguro rural. Paradoxalmente, questiona-se a forma de direcionamento desses recursos, porque não se concebe que se insista em uma política agrícola excludente, considerando que o país tem todas as condições necessárias para conciliar o cultivo da agricultura de exportação com o da agricultura de subsistência e para o consumo interno.


           Apesar de algumas políticas públicas voltadas para a agricultura familiar, o governo continua priorizando a agricultura de exportação. E isso não é bom, por isso tem o dever de solucionar esse problema o mais rapidamente possível, considerando que é inaceitável mandar-se alimento para todos os recantos do planeta, visando a obter “superávit” na balança comercial, em detrimento de uma parcela expressiva da população que vive abaixo da linha da pobreza.

           Essa política de priorização da agricultura de exportação é duramente criticada pelo líder do MST, que diz que a agricultura empresarial é ultrapassada e não atende aos interesses do povo brasileiro. Sobre essa outra corrente, comenta Stédile (2005, p.02):

           “Porque o modelo agrícola do agronegócio é organizado para produzir dólares, e produtos que interessam aos europeus, os asiáticos, não aos brasileiros. E por isso não produz comida, empregos e justiça social. O agronegócio concentra. Leva para fora as riquezas produzidas aqui, em vez de distribuí-las.”

         Stédile, como líder do MST, não pode defender um modelo de política para o campo que não privilegie a reforma agrária. Por outro lado, no entanto, tem-se que considerar que as questões por ele defendidas não podem ser descartadas, porque muito embora ninguém possa negar ser importante para a economia do país o grande volume de exportação advinda do agronegócio, a ninguém passa despercebido que o governo prioriza demais a agricultura empresarial. O Brasil não deve desprezar o agronegócio para o mercado externo, mas é hora de encontrar um meio termo, de forma a equilibrar as políticas agrícolas, visto que há uma necessidade urgente de erradicar, de uma vez por todas, o problema da fome na sociedade.

          O que é absolutamente inconcebível é ocupar a quarta posição entre os maiores produtores de alimento do planeta e ter milhões de pessoas sem ter o que comer. Segunda explica José Graciano da Silva (1999, p.89):

            “O lado perverso do desenvolvimento da agricultura, também marcada pela competição desenfreada, refere-se ao fato de que, ao se conseguirem grandes produções (supersafras) via aumento da produtividade (da terra e do trabalho), muitos agricultores, principalmente os pequenos, e os trabalhadores rurais acabam sendo excluídos do processo produtivo e encontram enormes dificuldades para serem reabsorvidos pelo mercado de trabalho, seja rural, seja urbano.”

           A agricultura de exportação tem a sua importância porque gera divisas para o país; por outro lado, ocupa grandes áreas de terras produtivas e nem sempre absorve o equivalente em mão-de-obra.

AGRONEGÓCIO VERSO REFORMA AGRÁRIA. EIS A QUESTÃO QUE MUITOS DISCUTEM E NÃO SOLUCIONAM

           O acesso às terras no Brasil sempre se processou de maneira desigual, evidenciando a influência do poderio econômico dos grandes latifundiários. É um problema com raízes profundas na história brasileira, desde o período da colonização. Inicialmente, com a posse da terra Brasilis pelos portugueses.

           Posteriormente, na tentativa de colonização, foi implantado o sistema de capitanias hereditárias, cuja distribuição de terras foi feita em forma de doações a portugueses que tinham grandes posses. Essa má distribuição das riquezas do campo tem trazido sérias consequências, em grande extensão ao longo do tempo, haja vista a triste constatação de o Brasil ocupar uma posição de destaque entre os países que atualmente apresentam o maior desequilíbrio social. É grave a questão fundiária no Brasil e de difícil equacionamento, porque é na grande propriedade rural que se produzem as supersafras de grão e vivem os grandes rebanhos bovinos, indispensáveis para manter o volume de exportação e alimentar a população dos grandes centros urbanos.

           Os latifundiários, além do poder econômico, sempre detiveram também a força política, razão das dificuldades de se levar à frente um projeto consistente de reforma agrária. Pode-se afirmar que a Constituição brasileira de 1946 foi a primeira que apresentou uma proposta de reforma agrária, vinculando o uso da propriedade ao bem-estar social e prevendo a indenização em dinheiro para as terras desapropriadas. Comenta Strazzacappa (2006, p.38):

           "É com a Constituição de 1946, promulgada no governo de Eurico Gaspar Dutra, que surgem as primeiras propostas de reforma agrária, condicionando o uso da propriedade ao bem-estar social. Estava assim retomado o princípio da função social da propriedade. Vislumbrava-se a execução de uma reforma agrária, uma vez que essa Constituição dispunha sobre a necessidade de desapropriar terras, atendendo aos interesses sociais. Previa até indenização em dinheiro para as terras desapropriadas."

           A reforma agrária prevista na Constituição de 1946 não avançou em sua proposição, pois o governo, aproveitando-se do pretexto da indenização em dinheiro para o pagamento das terras desapropriadas, alegava falta de recursos do Tesouro para realizá-la. No governo do presidente Goulart, houve uma retomada do tema reforma agrária com a alteração do art. 147 da Constituição de 1946 e a sanção do Decreto nº 4.132, que definia os casos de desapropriação por interesse social. Adotou também outras medidas importantes ao determinar que a Superintendência Nacional da Reforma Agrária – SUPRA incorporasse o Instituto Nacional de Imigração e Colonização – INIC, o Conselho Nacional de Reforma Agrária – CNRA e o Serviço Social Rural – SSR.

           A reforma agrária no Brasil é na verdade um enorme desafio. Há os que entendem que é temerário desapropriar uma propriedade produtiva para entregá-la ao pequeno lavrador, sem meios para assegurar o mesmo volume de produção de antes, comprometendo desse modo a economia do país. Segundo esses entendidos, deve-se encontrar uma solução que concilie a convivência da agricultura comercial ou de exportação com a agricultura familiar ou de subsistência.

           Os governos militares queriam povoar a Amazônia. Em 1971, no governo do presidente Médici, foi criado o PROTERRA – Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste, como uma tentativa de fazer-se uma reforma agrária através de financiamento com prazo longo e condições favoráveis. Tentou-se também a implantação de alguns projetos de colonização, chamados de agrovilas, às margens de rodovias federais. Para melhor realçar a matéria, é importante apresentar um comentário sobre as agrovilas do projeto de colonização às margens da Transamazônica, feito por Adas (2004, p.192):

           "Como projeto de assentamento rural, elas poderiam ter sido bem-sucedidas. Entretanto não apresentaram os resultados esperados, pois enfrentaram uma série de problemas: insuficiência de assistência médica e escolar, dificuldade em escoar a produção e até mesmo despreparo de muitos colonos em trabalhar a terra. Esses fatores desestimularam o desenvolvimento das agrovilas. Muitos colonos abandonaram suas casas e lotes, alugando-os para migrantes sem terra que chegavam à região."

           Como se verifica, fracassou essa tentativa de povoamento da região e de reforma agrária, não por culpa do colono, mas por falta de condições necessárias para a sua fixação no local. Frustrado esse propósito, o Governo tomou a iniciativa de incentivar o povoamento da região através da instalação de mega-empreendimentos com muitas facilidades de empréstimos subsidiados, isenção de impostos e outros incentivos fiscais. Sobre esses empreendimentos, é bom que se analisem as observações de Adas (2004, p.193):

           "Estimuladas pelas facilidades oferecidas pelo governo federal (isenção de impostos, empréstimos de dinheiro a longo prazo e a juros baixos, incentivos ficais), grandes empresas começaram a instalar projetos agropecuários na Amazônia: Volkswagem (Companhia Vale do Rio Cristalino, localizada no sul do Pará, abrangendo uma área de 140 mil hectares); a Suiá-Missu (700 mil hectares, área quatro vezes maior do que a Baía de Guanabara), fundada pelo Grupo Ometto (80%) e Ariosto da Riva (20%), vendida posteriormente ao grupo italiano Liquifarm; a Companhia de Desenvolvimento do Araguaia – Codeara (600 mil hectares, de propriedade do Banco de Crédito Nacional, da família Conde); e muitos outros, pertencentes a diversos grupos – Bradesco, Bamerindus, Tamakavy (rede de lojas de Sílvio Santos), Sadia, Camargo Corrêa, Frigorífico Atlas (de que participam empresas alemães), Drury’s Amazônica S.A (norte-americana), Projeto Jarí (1,5 milhão de hectares pertencente durante anos ao milionário norte-americano Daniel Ludwig); Geórgia Pacific (500 mil hectares), Toyomenka (300 mil hectares), etc. São propriedades de dimensões gigantescas, maiores que alguns estados brasileiros e muitos países."

           É inegável que os governos militares investiram muito na atividade rural, porém no período em que estiveram no poder não realizaram uma redistribuição de terras como prometiam, conforme prevista na Lei do Estatuto da Terra e no PROTERRA, agravando o problema da concentração de terra nas mãos de uma minoria privilegiada. A má distribuição de terras é um problema nacional. No entanto, no Centro-Oeste, no Nordeste e no Norte, a situação é bem mais grave. Contraditoriamente, com o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste – PROTERRA, criado em 1971, no governo do presidente Médici, cujo fim era uma reforma agrária via financiamento, resultou em um efeito inverso, visto que a situação da concentração de terras fora agravada com essa medida. A expansão da agropecuária na região Norte resultou no agravamento dos conflitos de terra, fato que é tratado por Adas (2004, p.193):

           "A chegada dos grandes projetos agropecuários (e também minerais) na Amazônia representou uma grande destruição do meio ambiente, além de acirrar os conflitos de territorialidade, ou seja, a disputa por territórios. Esses conflitos representam o choque de interesses das partes envolvidas na ‘ocupação’ recente da Amazônia, ou seja, as grandes empresas agropecuárias e minerais, os trabalhadores sem-terra, os pequenos e médios proprietários, os posseiros, os garimpeiros, os indígenas, os grileiros, os seringueiros e os castanheiros."

           Os governos militares, visando ao povoamento da Amazônia, idealizaram os projetos de colonização à margem das rodovias federais com incentivos financeiros. O Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria - PROTERRA, no entanto, além de financiamentos para aquisição de terras, dispunha de várias outras linhas de créditos com subsídios e condições de pagamento favoráveis, fato esse que despertou a cobiça de grandes produtores e grupos empresariais, os quais buscaram formar grandes fazendas, expulsaram os pequenos lavradores e posseiros da região e agravaram o problema da má distribuição de terras. O mais grave de tudo é que essas questões ainda estão longe de ser resolvidas, pois recentemente, no Governo de Fernando Henrique Cardoso, vários conflitos se verificaram, fato que também é relatado por Adas (2004, p.197):

           "No início do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), a questão ficou obscurecida pela política de estabilização da economia e combate à inflação, representada pelo Plano Real. Entretanto, não tardou para que a questão do acesso à terra retomasse um lugar de destaque, principalmente após as violências policiais manifestadas contra trabalhadores rurais em Corumbiara (Rondônia) e Eldorado de Carajás (Pará). Em 1995, em Corumbiara, a polícia agiu com violência numa ação de despejo em um acampamento de sem-terra, provocando várias mortes. Em abril de 1996, em Eldorado de Carajás, a intervenção policial para desbloquear uma estrada ocupada por trabalhadores rurais causou a morte de 17 pessoas. Institucionaliza-se, assim, a intervenção policial como forma de repressão de movimentos sociais no campo, legitimada, agora, pelo Estado, quando tradicionalmente isso ocorria por meio de milícias particulares mantidas por grandes proprietários rurais."

           A agricultura comercial continua economicamente em expansão, no entanto, provocando conseqüências desastrosas para o meio ambiente e para os pequenos lavradores, que são expulsos das suas terras. No Acre a seringueira e a castanha-do-pará estão sendo derrubadas para ceder lugar à abertura de fazendas, problema que resultou no assassinato, em 1988, do líder seringueiro e ecologista Chico Mendes, porque não se conformando com a destruição desordenada de árvores e o massacre de índios, resolveu levantar a bandeira em prol da preservação das matas. Este tema está comentado em matéria disponibilizada no ‘‘site” da Fundação Joaquim Nabuco (2005, p.02):

           "Por outro lado sua perseverança em proteger o meio ambiente e as espécies nativas da região, despertou o ódio dos grupos de fazendeiros e empresas que insistiam na exploração e na devastação da floreta. Durante todo o ano de 1988, Chico Mendes sofreu ameaças de morte e perseguições por parte de pessoas ligadas a partidos políticos e organizações clandestinas destinadas a exploração desregrada da região. No dia 22 de dezembro de 1988, após inúmeros conflitos, intrigas, levantes e movimentos sindicais, o sindicalista e ecologista Chico Mendes teve a sua vida ceifada por mãos criminosas, passando a ser a 97a. vítima na lista dos trabalhadores rurais, assassinada durante o ano de 1988, por lutar pelos seus direitos, como também pela preservação ambiental da Região Amazônica."

           A morte de Chico Mendes teve enorme repercussão em todo o país e internacionalmente, porque foi ele covardemente assassinado ao defender uma causa das mais nobres. No Pará, os conflitos agrários também são intensos. As madeireiras representam hoje um grave problema para o Estado. Lá são constantes os atritos com os índios e pequenos agricultores. Há um interessante comentário de Campos no Jornal O Povo (2005, p.06):

           "A morte da missionária católica americana Dorothy Mãe Stang, de dois sindicalistas, e de uma quarta pessoa possivelmente como ‘queima de arquivo’, em menos de 72 horas no estado do Pará, põe em alerta o Governo Federal pelas conseqüências que os assassinatos possam vir a causar. O clima na região é tenso, e pelo menos 40 líderes de movimentos sociais e trabalhadores rurais estariam jurados de morte por grileiros e fazendeiros da região."


           Esses conflitos vêm sendo alimentados de longa data, apenas aflora com mais intensidade em algumas ocasiões. Outro caso que teve grande repercussão foi o de Eldorado dos Carajás, no sul do Pará, ocorrido em abril de 1996, quando se verificaram várias mortes em um confronto entre policiais e trabalhadores rurais sem-terra acampados. A política agrícola até então adotada no Brasil é muito controvertida: se por um lado tem apresentado bons resultados no que diz respeito ao volume produzido e trazido divisas para o país, por outro é excludente, por isto está havendo, no momento, uma acentuada preocupação de setores da Igreja com o avanço do plantio de soja e da criação de gado em Rondônia. Esse problema foi relatado por Bassegio (2004, p.01-02):

           "Como se tudo isso não bastasse, as famílias do sul de Rondônia, no eixo Vilhena-Ji-Paraná, estão agora ameaçadas pelo avanço do plantio da monocultura da soja mecanizada e tecnificada. O que está acontecendo? Grande parte das famílias deixaram de se dedicar à agricultura e passaram a se dedicar à agropecuária. Entretanto, segundo dados divulgados pela II Assembléia dos Bispos da Regional Noroeste (RO, AC e sul do Amazonas) o cultivo da soja rende 1000% a mais por hectare do que as pastagens extensivas, gera mais empregos e paga melhores salários. Qual é o problema então? Segundo a CNBB ‘é a valorização das terras, ou seja, os produtores de soja compram ou arrendam as terras ocupadas pela agricultura familiar, depois pelas pastagens, por elevado preço, o que motiva a recriação das áreas de pastagens em raio maior’. Os pecuaristas capitalizados ocupam outras áreas de florestas o que provoca um novo ciclo de desmatamento."

           A preocupação da Igreja é totalmente procedente. Experiências anteriores confirmam que, quando isso acontece, as famílias de pequenos produtores são pressionadas para venderem as suas terras ou simplesmente são expulsas para cederem espaço para os grandes produtores. Com isso agrava-se cada vez mais o problema da concentração das riquezas do campo em detrimento do pequeno produtor. Roraima tem solos que favorecem o cultivo de várias culturas. É um Estado onde foram implantados vários projetos de colonização, mas, por diversas razões, dentre as quais as questões relativas a estradas e acesso a crédito bancário e assistência técnica e extensão rural, muitos colonos estão desestimulados e abandonando os seus lotes. O garimpo e a expansão da atividade rural há anos estão agravando a questão indígena no Estado. É o Estado que tem a maior população de índio do país, por isso, também, é lá onde se registram os maiores problemas relacionados com conflitos indígenas. Sobre os conflitos indígenas em Roraima, é interessante analisar artigo disponibilizado na Internet, de autoria de Baumer (2005, p.01):

           "A questão do índio é mais delicada, e configura a maior polêmica na região. Não por acaso, Roraima é a única Unidade da Federação a manter uma Secretaria de Estado do Índio, comandada por um indígena da etnia macuxi, Orlando Oliveira Justino. O foco do debate gira em torno da iminente homologação da reserva Raposa Serra do Sol, área contínua já demarcada que pode varrer da região do extremo norte de Roraima dois núcleos urbanos, uma estrada e cerca de metade das lavouras de arroz do Estado."

           Entre os vários protagonistas sociais nos conflitos de territorialidade na Amazônia, os indígenas são os mais fragilizados pela ausência de políticas públicas eficientes para resolver o problema. Em outros Estados e regiões, os conflitos também são freqüentes. No Nordeste, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra – MST tem destacada atuação nos estados do Maranhão, Bahia e Pernambuco. Mato Grosso, no Centro-Oeste, Minas Gerais e São Paulo, no Sudeste, além do Paraná e Rio Grande do Sul, na Região Sul, também são palcos de muitos atritos. Atualmente, as disputas por terras no Rio Grande do Sul tomaram proporções alarmantes, tendo o Ministério Público decidido interferir na atuação do Movimento, sob o argumento de que este estaria infringindo a Lei nº 7.170/83, que define os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. Em razão disso, o MST denunciou na Organização das Nações Unidas – ONU e na Organização dos Estados Americanos – OEA a tentativa de “criminalização” dos sem terra, conforme notícia publicada no site do MST e em jornais de circulação nacional.

           O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, de há muito, pressiona as autoridades brasileiras sobre o porquê de a política de assentamento de trabalhadores rurais adotada, no momento, caminha em passos muito lentos, não atendendo, desse modo, às expectativas dos que necessitam de terra para trabalhar. As tentativas já realizadas no sentido de redistribuir terras através de financiamentos também não satisfizeram os anseios dos necessitados, daí porque a sociedade tem uma sensação de que a reforma agrária brasileira é apenas uma ficção. A vitória do presidente Lula nas eleições de 2002 reacendeu as esperanças dos trabalhadores rurais sem terra, o que de certa forma motivou mais uma enorme frustração, tendo em vista que neste governo o número de assentados tem sido bem menor do que no governo anterior, que nos seus oito anos de mandato distribuiu terras para cerca de 500 mil trabalhadores rurais.

A POLÍTICA DO AGRONEGÓCIO DO REGIME MILITAR DE 1964 FEZ DO BRASIL O SEGUNDO MAIOR EXPORTADOR DE ALIMENTO DO MUNDO

           No início da década de sessenta, teve-se um período de muitas inquietações, culminando com um Golpe Militar em 1964, que depôs o presidente da República, justamente porque uma das bandeiras do então Mandatário da Nação era a Reforma Agrária. Em abril de 1964, chegam os Militares ao poder com o propósito de ‘‘arrumar a casa e promover o desenvolvimento da Nação’’, segundo defendiam. O propósito não era impossível, considerando que os militares encontraram o país com uma relativa infraestrutura em estrada, com empresas de porte como a Petrobras, a Vale do Rio Doce, a Companhia Siderúrgica Nacional e o Banco do Brasil, além de outros órgãos, como a Companhia Brasileira de Alimentos, a Superintendência Nacional de Abastecimento, a Comissão de Financiamento da Produção e a Companhia Brasileira de Armazenamento.

           Dispondo de infraestrutura e de um razoável arcabouço jurídico - o que se fez no início do governo, com a aprovação do Estatuto da Terra, da regulamentação do Crédito Rural e da Reforma do Sistema Financeiro, criação do Banco Central e Conselho Monetário Nacional -, faltava tão somente reorganizar a economia e estruturar os bancos oficiais para dá efetividade às ações e projetos de governo. Um grande problema da época, além da questão econômica, com altas taxas de inflação e déficit público, estava no campo. Com a finalidade de amenizá-lo, logo depois da posse, procuram aprovar o projeto da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, também chamada de Estatuto da Terra, visando a modificar a estrutura fundiária do país.

           Durante o governo dos militares, transcorreu um período de muita prosperidade na economia, com o chamado ‘‘Milagre Econômico”. A agricultura brasileira teve muitos avanços naquele período, porque além do grande incentivo que se verificou através do crédito rural subsidiado, da assistência técnica e extensão rural, do armazenamento e do seguro agropecuário, outras iniciativas, como as que se deu com a Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, e o Decreto nº 73.626, de 12 de fevereiro de 1974, que consolidaram os Direitos Trabalhistas do Trabalhador Rural, e a Lei Complementar de nº 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), foram vitais como instrumentos de política social e de valorização de uma classe de trabalhador que, ao longo da história, foi espoliada pelos latifundiários.

           A década de setenta pode ser indicada como de conquistas legais e econômicas para o homem do campo. Naquele período, o dinheiro canalizado para o setor rural foi suficiente para atender toda a demanda de crédito dos produtores. Não havia limitação orçamentária para tal finalidade. O Banco do Brasil dispunha da Conta Movimento que lhe assegurava ressarcir-se automaticamente junto ao Banco Central de todo o dinheiro que emprestava aos agricultores. Naquele período, o aporte de dinheiro para a agricultura não se processava nos moldes de hoje, ou seja, via orçamento da União. O Banco do Brasil trabalhava sem limitação orçamentária, ressarcindo-se de tudo que emprestava por meio de uma simples partida contábil. Em razão disso havia fartura de dinheiro. Houve na época uma verdadeira revoada de pessoas das Regiões Sul e Sudeste em busca de terras para explorar nas Regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Ao Iniciar o período de ditadura, cuidou-se primeiramente de se solucionar alguns entraves a um projeto de desenvolvimento do campo.
Para isso, fazia-se necessário reorganizar a economia, amenizar as insatisfações em torno da questão fundiária, reformar o sistema financeiro, regulamentar o crédito rural e, paulatinamente, ir adequando a estrutura à realidade vivenciada. No início do regime militar, durante a presidência do Marechal Humberto Castelo Branco, a preocupação maior foi com a reorganização econômica. Na ocasião a inflação era altíssima e a dívida externa parecia incontrolável. A política econômica foi entregue aos ministros Otávio Gouveia de Bulhões, da Fazenda, e Roberto Campos, do Planejamento. Juntos elaboraram o PAEG - Plano de Ação Econômica do Governo -, uma tentativa de estabilizar a economia e lançar as bases para a retomada do crescimento econômico. Segundo Vicentino (1997, p.408):

           "O plano previa, em primeiro lugar, o combate ao déficit público: proibiu-se, aos governos estaduais, a emissão de títulos sem prévia autorização do governo federal; buscou-se combater os gastos excessivos das empresas estatais, tornando-as rentáveis, o que determinou um aumento nos preços dos produtos e serviços oferecidos por essas empresas (petróleo, energia). Isto, somado ao aumento no preço do trigo importado provocado pela adoção de um câmbio realista, causou uma elevação do custo de vida. Em seguida, aumentaram-se os impostos, obtendo-se, assim, um equilíbrio entre a receita e as despesas do governo."

           A partir de julho de 1964, fez-se a indexação da economia, com a criação de um índice, a ORTN (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional), atualizado mensalmente, de acordo com a variação dos preços. Contratos e prestações seriam atualizados pelo índice, tornando possível a chamada correção monetária. A respeito da reorganização da economia no início do governo dos militares, a Revista Veja, de 31 de outubro de 2007, p.09, comenta:

           "O motor fica escondido debaixo do capô. Nunca é visto. Mas sem ele o carro não sai do lugar. Interessante paralelo pode ser feito com as reformas institucionais. No fundo, elas sãos os motores que fazem os países andar. A fotografia que ilustra esta página é muita vista. Ela registra o gesto triunfal do presidente Juscelino Kubitschek ao inaugurar a primeira fábrica de automóveis no Brasil, em 1959, marco zero da industrialização brasileira. Ninguém se lembra de que debaixo do capô do triunfalismo juscelinista se acumulou uma dívida pública que teria inviabilizado não apenas o processo de industrialização mas todo o país, caso ela não fosse atacada pelas reformas impopulares e corajosas feitas mais tarde no governo Castello Branco. Seus autores intelectuais foram Octávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos. Pouca gente fora da profissão de economia sabe bem o que a dupla Bulhões-Campos fez pelo Brasil. Fotos deles raramente são vistas. Mas eles montaram o motor institucional do país ao criar a Lei de Mercado de Capitais, o Código de Minas, o Estatuto da Terra, um eficiente Código Tributário e, como se fosse pouco, o Banco Central."

           Ainda naquele momento, houve a retomada de projetos indispensáveis para a política agrícola iniciados nos governos de Jânio Quadros e João Goulart. Dentre essas iniciativas, destacam-se os projetos de lei do Estatuto da Terra, o da Reforma Bancária e o da Lei que institucionalizou o crédito rural. Este foi, sem dúvida, o “carro chefe” da política agrícola adotada no período da ditadura. Com o fito de aparelhar os bancos para atender à demanda de crédito, criou-se a Cédula de Crédito Rural, através do Decreto-lei nº 167/67, pois só assim facilitaria a operacionalização desses negócios e daria mais segurança às instituições financeiras. Estas precisavam de mecanismos que facilitassem as contratações e, ao mesmo tempo, lhes dessem segurança, por isto que a Cédula de Crédito Rural foi criada e introduzida no direito brasileiro como título de crédito. Segundo Martins (1998, p.210):

           "Foi, contudo, o Decreto-Lei no. 167, de 14 de fevereiro de 1967, que melhor dispôs sobre os títulos de crédito destinados ao financiamento rural, regulando-os devidamente. Nos termos desse diploma legal, ‘o financiamento rural concedido pelos órgãos integrantes do sistema nacional de crédito rural à pessoa física ou jurídica poderia efetuar-se por meio das cédulas de crédito rural’, na forma de regulamentação constante desta lei. Dispõe, também, o Decreto-Lei (da mesma forma que o fizera a Lei no. 253, de 1957), sobre a Nota Promissória Rural e instituiu a Duplicata Rural, para ser usada por produtores rurais ou suas cooperativas. Houve, assim, uma extensão, devidamente adaptada, às atividades rurais, de títulos já utilizados nas atividades comerciais em geral. Na realidade, o Governo não foi feliz na regulamentação da Nota Promissória Rural e da Duplicata Rural; salva-se, porém, a intenção de pôr à disposição de agricultores e pecuaristas instrumentos capazes de facilitar as suas atividades. Essas, como se sabe, estão afastadas, de modo injusto, das atividades comerciais, o que faz com que o rurícola, agricultor ou pecuarista, fique privado de muitas das regalias de que gozam os que se dedicam ao comércio e à indústria."

           São quatro as modalidades de Cédulas de Crédito Rural: Cédula de Crédito Rural Pignoratícia, Cédula de Crédito Rural Hipotecária, Cédula de Crédito Rural Pignoratícia e Hipotecária e a Nota de Crédito Rural, das quais só esta última não admite garantia real. Diz a lei que ‘‘cédula de crédito rural é um título civil, líquido e certo, exigível pela soma dele constante ou do endosso, além dos juros, da comissão de fiscalização, se houver, e demais despesas que o credor fizer para segurança, regularidade e realização do seu direito creditório” (art. 10). Afirma Martins (1998, p.212): Considera a lei o título como civil por se prender a atividades rurais, em regra afastadas do campo do direito comercial. Essa orientação, contudo, é passível de críticas pois se sabe que muitas atividades rurais podem ficar sujeitas ao direito comercial, bastando que a empresa agrícola tome, por exemplo, a forma de sociedade anônima.

           Ademais, a tendência atual é para considerar atividades rurais, quando exercida profissionalmente, com intuito de lucro, abrangidas pelo direito comercial, abandonando-se a antiga orientação de que as atividades agrícolas seriam sempre civis, do mesmo modo que acontece com as atividades imobiliárias. Além disso, as cédulas de crédito rural se valem de institutos próprios dos títulos de crédito, que são títulos puramente comerciais, muito embora utilizados por comerciantes e não comerciantes. São as cédulas de crédito rural títulos de crédito com características próprias, o que não é de admirar, considerando que foram criadas em função de um objetivo específico, o de propiciar maiores facilidades e segurança aos bancos na concessão de crédito agrícola. Essa ferramenta criada no início do Regime Militar teve uma importância capital para o objetivo pretendido, que era levar o crédito rural para o maior número possível de produtores em todos os recantos do País.

            Os militares encontraram o país em condições de iniciar uma política desenvolvimentista no campo, visto que os primeiros passos já haviam sido iniciados pelos governos anteriores, notadamente pelo presidente Juscelino, que implantou a indústria automobilística e construiu rodovias importantes, como a Belém-Brasília, por exemplo, indispensáveis para a abertura das fronteiras agrícolas, como se verificaram nas Regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil. Havia necessidade, no entanto, de reorganizar a economia e fazer uma reforma institucional, o que se fez com a dupla Bulhões e Roberto Campos, por meio de um ousado plano econômico, o qual regulamentou o crédito rural, aprovou o Estatuto da Terra, a Lei de Mercado de Capitais, o Código Tributário Nacional, criou o Banco Central e instituiu mecanismo de controle das finanças públicas, com a Lei nº 4.320, ainda hoje em vigor.

           Contudo, os governos militares, principalmente o Governo do presidente Médici, entenderam que outras obras seriam necessárias para o crescimento do país e, por isso, construíram novas rodovias, como a Transamazônica e o desenvolvimento da Cuiabá-Santarém, Cuiabá - Porto Velho e a Porto Velho - Manaus, dentre outras, de modo que o país ficasse totalmente interligado e pronto para o crescimento, que era o grande objetivo da época. A importância da infra-estrutura no desempenho da atividade rural é ressaltada por Nóbrega (1985, p.111): "Os investimentos em infra-estrutura econômica são de fundamental importância para o desenvolvimento da agricultura, seja pela geração de economias externas que reduzem indiretamente o custo de produção do setor, seja pela diminuição de desperdício no armazenamento das safras."

           Os governos militares também investiram na construção de outras obras necessárias para o desenvolvimento que se pretendia, como as Hidrelétricas de Tucuruí e Itaipu, e investiram na indústria pesada, como a siderúrgica e de bens de capital, e criaram, em 1965, o Banco Nacional de Habitação, inserindo a classe média no sistema de crédito. Instituíram a poupança obrigatória, ou poupança compulsória dos trabalhadores, por meio do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), em 1966, que, dentre os objetivos visados, encontrava-se o de canalizar recursos para financiar os projetos do governo. O Banco Central do Brasil foi criado pela Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências.

           O crédito rural, no entanto, só foi institucionalizado com a Lei nº 4.829, de 5 de novembro de 1965, que representou um avanço importante para a política agrícola do regime militar. A relevância do crédito rural como instrumento de política agrícola é indiscutível, mas o subsídio deu motivos para muitas controvérsias, tendo a sua eficácia questionada por alguns especialistas. A política de subsídio do crédito rural foi o principal instrumento de incentivo do desenvolvimento rural adotada pelos governos militares. O crédito subsidiado, sem sombra de dúvida, incentivava os investimentos no campo, por outro lado, convidava aos desvios, considerando ser muito lucrativo investi-lo em outras atividades, onde as linhas de financiamentos não ofereciam os mesmos atrativos. A deficiência dos instrumentos de acompanhamento e controle favorecia a ação dos produtores mal intencionados. A modernização da atividade agrícola brasileira teve início na década de 1960 com a política agrícola dos governos militares. Segundo Ribeiro (1988, p. 92),

           “a racionalidade do modelo de modernização agrícola adotado a partir de 1967 concentrou-se em dois pontos: dinamização dos setores improdutivos através de outras políticas que não a alteração dos sistemas de posse e uso da terra; e abertura ao comércio internacional, no contexto de uma estratégia econômica global de inserção crescente nos fluxos da economia internacional”.

           O processo de modernização das atividades do campo teve como principal elemento motivador o crédito rural subsidiado. Comentando a respeito, afirma Ribeiro (1988, p.93): "A importância do crédito agrícola para o processo de modernização da agricultura pode ser avaliada, quando se comparam os valores do crédito concedido para determinados insumos e a soma total dos recursos gastos pelos agricultores em sua aquisição. Os dados disponíveis mostram que, em 1979, o valor do crédito para fertilizantes representou 90% do valor das vendas de fertilizantes no Brasil; o valor do crédito para defensivos representou mais de 75% do valor total das vendas de defensivos e os financiamentos creditícios para tratores representaram mais de 90% do valor das vendas das indústrias para o setor agrícola. O peso do amparo creditício na compra de insumo não pode ser desligado dos subsídios embutidos nos financiamentos, resultados de taxas reais de juros crescentemente negativas (em 1976 a taxa real de juros era de -24,3% passando para -43,1% em 1980)."

           É evidente que os avanços no setor rural brasileiro têm estreita relação com o crédito rural subsidiado. Muito embora o crédito rural subsidiado tenha sido o pilar de sustentação da política agrícola do regime militar, fizeram-se necessários outros mecanismos de incentivo, notadamente a assistência técnica e a extensão rural, a garantia de preços mínimos, transporte e armazenamento e seguro rural. Na década de 1970, muitos projetos foram criados com o objetivo de fomentar a atividade rural. Destacam-se a criação, em 6 de julho de 1971, através do Dec. Lei nº 1.179, do Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA), o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste (POLONORDESTE), o Projeto Sertanejo e o Programa de Incentivo à Produção de Borracha Vegetal (PROBOR), criado em 17 de julho de 1972 pelo Dec. Lei nº 1.232.

           Além desses programas, vários outros foram instituídos para as diversas regiões do país, todos adequados à realidade de cada uma delas. Em todas as situações, as taxas de juros eram subsidiadas e os prazos para pagamento extremamente longos, proporcionando, evidentemente, as condições mais favoráveis possíveis para aqueles que quisessem investir na atividade rural. A criação desses programas de desenvolvimento regionais estimulou a busca por terra e crédito fácil nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. A região Norte, talvez pelas suas peculiaridades, favorecia a ação de pessoas aventureiras e mal intencionadas, que lá se fixavam com o intuito de se beneficiar dos incentivos governamentais.

           O lamentável é que os recursos direcionados aos Bancos oficiais para financiar a agropecuária da Região não foram precedidos de um estudo que indicasse as reais prioridades e, além do mais, não se fazia uma seleção criteriosa dos beneficiários nem o necessário acompanhamento das operações concedidas para se verificar a efetiva aplicação do dinheiro nas devidas finalidades. A oferta de dinheiro fácil estimulava a aventura, por isso muitas pessoas, quase sempre de outras regiões, procuravam os bancos e apresentavam os mais diversos tipos de projeto na tentativa de obter crédito das instituições financeiras. Na maioria dos casos, os projetos eram totalmente inviáveis e os valores orçados superestimados. Os proponentes desse tipo de financiamento, em regra, eram pessoas que aparentavam conhecer o ramo de atividade, demonstravam muito interesse pelo empreendimento e, por isso, muitas vezes, conseguiam o deferimento do pleito e acabavam convencendo os administradores do banco da importância econômica e social do negócio proposto. Esse fato é relatado por Musumeci (1988, p. 16):

           "Ao longo dos anos 70, o alastramento e acirramento dos conflitos de terra pareciam confirmar a existência de um processo geral de ‘avanço capitalista’ na Amazônia, ocasionado sobretudo pela maciça instalação de grandes projetos agropecuários (muitas vezes fictícios), contando com o apoio financeiro e político do Estado, envolvendo a grilagem, a especulação, fraudes, violência, e resultando freqüentemente na expulsão dos antigos posseiros e no ‘fechamento das terras antes livres da região’".

           O Banco do Brasil aumentou muito rapidamente o seu número de agências entre as décadas de setenta e oitenta, por isso teve dificuldades para selecionar do seu quadro pessoas aptas para o desempenho das funções de administrador. As agências do Banco na região Norte eram as que mais necessitavam de administradores experientes, considerando os problemas fundiários e o tipo de cliente que buscava o apoio financeiro da instituição, mas, ao contrário, muitos funcionários novos e com pouca vivência com crédito rural foram nomeados para cargo de gerente de agência, o que contribuía para que certos aventureiros obtivessem êxitos em seus pleitos e para o insucesso de muitas operações, levando o banco e a sociedade a arcar com enormes prejuízos.

           A região Norte produz hoje apenas cerca de 2,80% da produção agrícola do país, o que mostra que os incentivos e investimentos a ela destinados não responderam na mesma intensidade dos que foram feitos na região Centro-Oeste. Até o início da década de setenta, a atividade rural era inexpressiva e a economia rural era muito dependente da extração de madeira, da borracha, da castanha-do-pará, da piaçava, da caça, da pesca e da criação extensiva de animais. A pecuária extensiva ainda hoje é uma atividade marcante na Amazônia, havendo grandes projetos ao longo das rodovias, implantados com incentivos governamentais. Na verdade, a pecuária extensiva é utilizada na especulação fundiária, como forma de valorização e obstáculos para a desapropriação das terras para fins de reforma agrária.

           A economia da região tem estreita relação com o regime militar, considerando que, naquele período, foram construídas as ‘‘rodovias de penetração”, iniciadas com a Transamazônica, e com o desenvolvimento da Cuiabá-Santarém, Cuiabá-Porto Velho e a Porto Velho-Manaus, vitais para o povoamento da Região. Ainda com o objetivo de melhorar o desempenho da agricultura brasileira, deu-se prioridade ao crédito agrícola com assistência técnica. Pretendia-se fomentar as pesquisas e incentivar o uso de assistência técnica, por isso que, em 1973, criou-se a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e, em 1974, a EMBRATER – Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural. Desse modo, conseguiram avanços no campo das pesquisas agropecuárias. Na década de setenta, investiu-se muita na atividade rural.

           Houve uma firme decisão no sentido de fazer do país a potência rural que é hoje. Para a disseminação do crédito da maneira como se fez, os bancos oficiais e os órgãos de assistência técnica e extensão foram preponderantes, razão por que se criou, neste trabalho, capítulo próprio para falar acerca deles. O Presidente Geisel, visando a minorar os efeitos da primeira crise do petróleo, que ocorreu no início da década de setenta, sobre a economia brasileira, como medida alternativa, criou, em novembro de 1975, o Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL), tido por muitos especialistas como estratégico e de vital importância para a economia do país, tendo em vista o grande potencial de produção do Brasil, proporcionado por vários fatores, acarretando esse empreendimento uma diminuição da dependência do petróleo, com uma conseqüente redução do volume financeiro das importações. Um aspecto também relevante é que se trata de um combustível limpo, pouco poluente.

           O programa teve de início uma grande repercussão, pois o governo disponibilizou dinheiro subsidiado para o seu financiamento, tendo atingido, em 1979, a meta de produção de três milhões de metros cúbicos, que havia estipulado para o ano seguinte, 1980. Segundo Oliveira e Gonçalves Neto (2005, p.01-02): "Por isso, o Proálcool, Programa Nacional do Álcool, definido em novembro de 1975 e acelerado a partir de julho de 1979, foi uma tentativa do governo brasileiro de desenvolver fontes alternativas para gerar energia líquida. Esse programa federal, administrado pelo Ministério da Indústria e Comércio através da CENAL – Comissão Executiva Nacional do Álcool, tinha por objetivo o aumento da produção de safras agroenergéticas e a capacidade industrial de transformação, visando a obtenção de álcool para substituir o petróleo e seus derivados, em especial a gasolina."

           Embora muitas críticas tenham sido feitas ao Programa, indiscutivelmente foi uma iniciativa louvável, daí, nos dias atuais, ter retomado as atenções do governo bem como despertado muito interesse de outros países, que desejam comprar o álcool brasileiro.

           No bojo das preocupações dos militares no tocante às questões relativas ao campo, a que teve maior alcance social foi, sem dúvida, o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), instituído pela Lei Complementar nº 11, de 25.05.1971, que consistia na prestação dos seguintes benefícios: aposentadoria por velhice; aposentadoria por invalidez; pensão; auxílio-funeral; serviço de saúde; serviço social. Nada era mais degradante de que a situação do trabalhador rural no Brasil antes da aludida Lei, tendo em vista que trabalhava até quando a saúde permitia e, depois, na velhice, quando mais carecia de meios de sobrevivência, ficava na dependência de parentes que, quase sempre, não dispunham de condições para lhe proporcionar uma existência digna.

           É verdade que, de início, o benefício era de apenas metade do que se paga atualmente, mas foi partindo desse ponto que a sociedade foi tomando consciência da importância da medida e, graças às pressões dos movimentos sociais, o trabalhador rural adquiriu a condição de segurado especial, fato consagrado na Constituição de 1988, tendo, doravante, pelo menos, o necessário para sobreviver em caso de doença e na velhice, quando não mais pode trabalhar. Neste País, nenhuma medida tomada até os dias atuais teve maior alcance social do que o PRORURAL.

           É louvável a sensibilidade que teve o Constituinte de 1988 ao inserir na Constituição dispositivo que deu ao trabalhador rural essa condição de segurado especial, proporcionando a milhares de idosos e inválidos, que foram trabalhadores rurais, condições para viverem com relativa dignidade, em função de benefícios que percebem da Previdência Social. A falta de uma legislação trabalhista que amparasse o trabalhador rural foi sem dúvida uma das maiores injustiças corrigidas pelos governos militares, o que, por razões diversas, não encontrou guarida em nenhum outro governo, nem mesmo no de Getúlio Vargas, que se intitulou como “o pai dos pobres”.

           Em razão disso, o problema perdurou por muito tempo, mesmo depois de ter sido instituída para o trabalhador urbano. Esse problema, mesmo que com algumas incoerências em relação ao que dispõe a CLT, acabou sendo regulamentado pela Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, e o Decreto nº 73.626, de 12 de fevereiro de 1974. Não era concebível que uma classe tão importante no contexto social do país ficasse eternamente esquecida e desamparada, sendo espoliada pelos latifundiários, como se verificou ao longo de vários séculos.