O acesso às terras no Brasil sempre se processou de maneira desigual,
evidenciando a influência do poderio econômico dos grandes
latifundiários. É um problema com raízes profundas na história
brasileira, desde o período da colonização. Inicialmente, com a posse da
terra Brasilis pelos portugueses.
Posteriormente, na tentativa de colonização, foi implantado o sistema de capitanias hereditárias, cuja distribuição de terras foi feita em forma de doações a portugueses que tinham grandes posses. Essa má distribuição das riquezas do campo tem trazido sérias consequências, em grande extensão ao longo do tempo, haja vista a triste constatação de o Brasil ocupar uma posição de destaque entre os países que atualmente apresentam o maior desequilíbrio social. É grave a questão fundiária no Brasil e de difícil equacionamento, porque é na grande propriedade rural que se produzem as supersafras de grão e vivem os grandes rebanhos bovinos, indispensáveis para manter o volume de exportação e alimentar a população dos grandes centros urbanos.
Os latifundiários, além do poder econômico, sempre detiveram também a força política, razão das dificuldades de se levar à frente um projeto consistente de reforma agrária. Pode-se afirmar que a Constituição brasileira de 1946 foi a primeira que apresentou uma proposta de reforma agrária, vinculando o uso da propriedade ao bem-estar social e prevendo a indenização em dinheiro para as terras desapropriadas. Comenta Strazzacappa (2006, p.38):
"É com a Constituição de 1946, promulgada no governo de Eurico Gaspar Dutra, que surgem as primeiras propostas de reforma agrária, condicionando o uso da propriedade ao bem-estar social. Estava assim retomado o princípio da função social da propriedade. Vislumbrava-se a execução de uma reforma agrária, uma vez que essa Constituição dispunha sobre a necessidade de desapropriar terras, atendendo aos interesses sociais. Previa até indenização em dinheiro para as terras desapropriadas."
A reforma agrária prevista na Constituição de 1946 não avançou em sua proposição, pois o governo, aproveitando-se do pretexto da indenização em dinheiro para o pagamento das terras desapropriadas, alegava falta de recursos do Tesouro para realizá-la. No governo do presidente Goulart, houve uma retomada do tema reforma agrária com a alteração do art. 147 da Constituição de 1946 e a sanção do Decreto nº 4.132, que definia os casos de desapropriação por interesse social. Adotou também outras medidas importantes ao determinar que a Superintendência Nacional da Reforma Agrária – SUPRA incorporasse o Instituto Nacional de Imigração e Colonização – INIC, o Conselho Nacional de Reforma Agrária – CNRA e o Serviço Social Rural – SSR.
A reforma agrária no Brasil é na verdade um enorme desafio. Há os que entendem que é temerário desapropriar uma propriedade produtiva para entregá-la ao pequeno lavrador, sem meios para assegurar o mesmo volume de produção de antes, comprometendo desse modo a economia do país. Segundo esses entendidos, deve-se encontrar uma solução que concilie a convivência da agricultura comercial ou de exportação com a agricultura familiar ou de subsistência.
Os governos militares queriam povoar a Amazônia. Em 1971, no governo do presidente Médici, foi criado o PROTERRA – Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste, como uma tentativa de fazer-se uma reforma agrária através de financiamento com prazo longo e condições favoráveis. Tentou-se também a implantação de alguns projetos de colonização, chamados de agrovilas, às margens de rodovias federais. Para melhor realçar a matéria, é importante apresentar um comentário sobre as agrovilas do projeto de colonização às margens da Transamazônica, feito por Adas (2004, p.192):
"Como projeto de assentamento rural, elas poderiam ter sido bem-sucedidas. Entretanto não apresentaram os resultados esperados, pois enfrentaram uma série de problemas: insuficiência de assistência médica e escolar, dificuldade em escoar a produção e até mesmo despreparo de muitos colonos em trabalhar a terra. Esses fatores desestimularam o desenvolvimento das agrovilas. Muitos colonos abandonaram suas casas e lotes, alugando-os para migrantes sem terra que chegavam à região."
Como se verifica, fracassou essa tentativa de povoamento da região e de reforma agrária, não por culpa do colono, mas por falta de condições necessárias para a sua fixação no local. Frustrado esse propósito, o Governo tomou a iniciativa de incentivar o povoamento da região através da instalação de mega-empreendimentos com muitas facilidades de empréstimos subsidiados, isenção de impostos e outros incentivos fiscais. Sobre esses empreendimentos, é bom que se analisem as observações de Adas (2004, p.193):
"Estimuladas pelas facilidades oferecidas pelo governo federal (isenção de impostos, empréstimos de dinheiro a longo prazo e a juros baixos, incentivos ficais), grandes empresas começaram a instalar projetos agropecuários na Amazônia: Volkswagem (Companhia Vale do Rio Cristalino, localizada no sul do Pará, abrangendo uma área de 140 mil hectares); a Suiá-Missu (700 mil hectares, área quatro vezes maior do que a Baía de Guanabara), fundada pelo Grupo Ometto (80%) e Ariosto da Riva (20%), vendida posteriormente ao grupo italiano Liquifarm; a Companhia de Desenvolvimento do Araguaia – Codeara (600 mil hectares, de propriedade do Banco de Crédito Nacional, da família Conde); e muitos outros, pertencentes a diversos grupos – Bradesco, Bamerindus, Tamakavy (rede de lojas de Sílvio Santos), Sadia, Camargo Corrêa, Frigorífico Atlas (de que participam empresas alemães), Drury’s Amazônica S.A (norte-americana), Projeto Jarí (1,5 milhão de hectares pertencente durante anos ao milionário norte-americano Daniel Ludwig); Geórgia Pacific (500 mil hectares), Toyomenka (300 mil hectares), etc. São propriedades de dimensões gigantescas, maiores que alguns estados brasileiros e muitos países."
É inegável que os governos militares investiram muito na atividade rural, porém no período em que estiveram no poder não realizaram uma redistribuição de terras como prometiam, conforme prevista na Lei do Estatuto da Terra e no PROTERRA, agravando o problema da concentração de terra nas mãos de uma minoria privilegiada. A má distribuição de terras é um problema nacional. No entanto, no Centro-Oeste, no Nordeste e no Norte, a situação é bem mais grave. Contraditoriamente, com o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste – PROTERRA, criado em 1971, no governo do presidente Médici, cujo fim era uma reforma agrária via financiamento, resultou em um efeito inverso, visto que a situação da concentração de terras fora agravada com essa medida. A expansão da agropecuária na região Norte resultou no agravamento dos conflitos de terra, fato que é tratado por Adas (2004, p.193):
"A chegada dos grandes projetos agropecuários (e também minerais) na Amazônia representou uma grande destruição do meio ambiente, além de acirrar os conflitos de territorialidade, ou seja, a disputa por territórios. Esses conflitos representam o choque de interesses das partes envolvidas na ‘ocupação’ recente da Amazônia, ou seja, as grandes empresas agropecuárias e minerais, os trabalhadores sem-terra, os pequenos e médios proprietários, os posseiros, os garimpeiros, os indígenas, os grileiros, os seringueiros e os castanheiros."
Os governos militares, visando ao povoamento da Amazônia, idealizaram os projetos de colonização à margem das rodovias federais com incentivos financeiros. O Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria - PROTERRA, no entanto, além de financiamentos para aquisição de terras, dispunha de várias outras linhas de créditos com subsídios e condições de pagamento favoráveis, fato esse que despertou a cobiça de grandes produtores e grupos empresariais, os quais buscaram formar grandes fazendas, expulsaram os pequenos lavradores e posseiros da região e agravaram o problema da má distribuição de terras. O mais grave de tudo é que essas questões ainda estão longe de ser resolvidas, pois recentemente, no Governo de Fernando Henrique Cardoso, vários conflitos se verificaram, fato que também é relatado por Adas (2004, p.197):
"No início do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), a questão ficou obscurecida pela política de estabilização da economia e combate à inflação, representada pelo Plano Real. Entretanto, não tardou para que a questão do acesso à terra retomasse um lugar de destaque, principalmente após as violências policiais manifestadas contra trabalhadores rurais em Corumbiara (Rondônia) e Eldorado de Carajás (Pará). Em 1995, em Corumbiara, a polícia agiu com violência numa ação de despejo em um acampamento de sem-terra, provocando várias mortes. Em abril de 1996, em Eldorado de Carajás, a intervenção policial para desbloquear uma estrada ocupada por trabalhadores rurais causou a morte de 17 pessoas. Institucionaliza-se, assim, a intervenção policial como forma de repressão de movimentos sociais no campo, legitimada, agora, pelo Estado, quando tradicionalmente isso ocorria por meio de milícias particulares mantidas por grandes proprietários rurais."
A agricultura comercial continua economicamente em expansão, no entanto, provocando conseqüências desastrosas para o meio ambiente e para os pequenos lavradores, que são expulsos das suas terras. No Acre a seringueira e a castanha-do-pará estão sendo derrubadas para ceder lugar à abertura de fazendas, problema que resultou no assassinato, em 1988, do líder seringueiro e ecologista Chico Mendes, porque não se conformando com a destruição desordenada de árvores e o massacre de índios, resolveu levantar a bandeira em prol da preservação das matas. Este tema está comentado em matéria disponibilizada no ‘‘site” da Fundação Joaquim Nabuco (2005, p.02):
"Por outro lado sua perseverança em proteger o meio ambiente e as espécies nativas da região, despertou o ódio dos grupos de fazendeiros e empresas que insistiam na exploração e na devastação da floreta. Durante todo o ano de 1988, Chico Mendes sofreu ameaças de morte e perseguições por parte de pessoas ligadas a partidos políticos e organizações clandestinas destinadas a exploração desregrada da região. No dia 22 de dezembro de 1988, após inúmeros conflitos, intrigas, levantes e movimentos sindicais, o sindicalista e ecologista Chico Mendes teve a sua vida ceifada por mãos criminosas, passando a ser a 97a. vítima na lista dos trabalhadores rurais, assassinada durante o ano de 1988, por lutar pelos seus direitos, como também pela preservação ambiental da Região Amazônica."
A morte de Chico Mendes teve enorme repercussão em todo o país e internacionalmente, porque foi ele covardemente assassinado ao defender uma causa das mais nobres. No Pará, os conflitos agrários também são intensos. As madeireiras representam hoje um grave problema para o Estado. Lá são constantes os atritos com os índios e pequenos agricultores. Há um interessante comentário de Campos no Jornal O Povo (2005, p.06):
"A morte da missionária católica americana Dorothy Mãe Stang, de dois sindicalistas, e de uma quarta pessoa possivelmente como ‘queima de arquivo’, em menos de 72 horas no estado do Pará, põe em alerta o Governo Federal pelas conseqüências que os assassinatos possam vir a causar. O clima na região é tenso, e pelo menos 40 líderes de movimentos sociais e trabalhadores rurais estariam jurados de morte por grileiros e fazendeiros da região."
Esses conflitos vêm sendo alimentados de longa data, apenas aflora com mais intensidade em algumas ocasiões. Outro caso que teve grande repercussão foi o de Eldorado dos Carajás, no sul do Pará, ocorrido em abril de 1996, quando se verificaram várias mortes em um confronto entre policiais e trabalhadores rurais sem-terra acampados. A política agrícola até então adotada no Brasil é muito controvertida: se por um lado tem apresentado bons resultados no que diz respeito ao volume produzido e trazido divisas para o país, por outro é excludente, por isto está havendo, no momento, uma acentuada preocupação de setores da Igreja com o avanço do plantio de soja e da criação de gado em Rondônia. Esse problema foi relatado por Bassegio (2004, p.01-02):
"Como se tudo isso não bastasse, as famílias do sul de Rondônia, no eixo Vilhena-Ji-Paraná, estão agora ameaçadas pelo avanço do plantio da monocultura da soja mecanizada e tecnificada. O que está acontecendo? Grande parte das famílias deixaram de se dedicar à agricultura e passaram a se dedicar à agropecuária. Entretanto, segundo dados divulgados pela II Assembléia dos Bispos da Regional Noroeste (RO, AC e sul do Amazonas) o cultivo da soja rende 1000% a mais por hectare do que as pastagens extensivas, gera mais empregos e paga melhores salários. Qual é o problema então? Segundo a CNBB ‘é a valorização das terras, ou seja, os produtores de soja compram ou arrendam as terras ocupadas pela agricultura familiar, depois pelas pastagens, por elevado preço, o que motiva a recriação das áreas de pastagens em raio maior’. Os pecuaristas capitalizados ocupam outras áreas de florestas o que provoca um novo ciclo de desmatamento."
A preocupação da Igreja é totalmente procedente. Experiências anteriores confirmam que, quando isso acontece, as famílias de pequenos produtores são pressionadas para venderem as suas terras ou simplesmente são expulsas para cederem espaço para os grandes produtores. Com isso agrava-se cada vez mais o problema da concentração das riquezas do campo em detrimento do pequeno produtor. Roraima tem solos que favorecem o cultivo de várias culturas. É um Estado onde foram implantados vários projetos de colonização, mas, por diversas razões, dentre as quais as questões relativas a estradas e acesso a crédito bancário e assistência técnica e extensão rural, muitos colonos estão desestimulados e abandonando os seus lotes. O garimpo e a expansão da atividade rural há anos estão agravando a questão indígena no Estado. É o Estado que tem a maior população de índio do país, por isso, também, é lá onde se registram os maiores problemas relacionados com conflitos indígenas. Sobre os conflitos indígenas em Roraima, é interessante analisar artigo disponibilizado na Internet, de autoria de Baumer (2005, p.01):
"A questão do índio é mais delicada, e configura a maior polêmica na região. Não por acaso, Roraima é a única Unidade da Federação a manter uma Secretaria de Estado do Índio, comandada por um indígena da etnia macuxi, Orlando Oliveira Justino. O foco do debate gira em torno da iminente homologação da reserva Raposa Serra do Sol, área contínua já demarcada que pode varrer da região do extremo norte de Roraima dois núcleos urbanos, uma estrada e cerca de metade das lavouras de arroz do Estado."
Entre os vários protagonistas sociais nos conflitos de territorialidade na Amazônia, os indígenas são os mais fragilizados pela ausência de políticas públicas eficientes para resolver o problema. Em outros Estados e regiões, os conflitos também são freqüentes. No Nordeste, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra – MST tem destacada atuação nos estados do Maranhão, Bahia e Pernambuco. Mato Grosso, no Centro-Oeste, Minas Gerais e São Paulo, no Sudeste, além do Paraná e Rio Grande do Sul, na Região Sul, também são palcos de muitos atritos. Atualmente, as disputas por terras no Rio Grande do Sul tomaram proporções alarmantes, tendo o Ministério Público decidido interferir na atuação do Movimento, sob o argumento de que este estaria infringindo a Lei nº 7.170/83, que define os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. Em razão disso, o MST denunciou na Organização das Nações Unidas – ONU e na Organização dos Estados Americanos – OEA a tentativa de “criminalização” dos sem terra, conforme notícia publicada no site do MST e em jornais de circulação nacional.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, de há muito, pressiona as autoridades brasileiras sobre o porquê de a política de assentamento de trabalhadores rurais adotada, no momento, caminha em passos muito lentos, não atendendo, desse modo, às expectativas dos que necessitam de terra para trabalhar. As tentativas já realizadas no sentido de redistribuir terras através de financiamentos também não satisfizeram os anseios dos necessitados, daí porque a sociedade tem uma sensação de que a reforma agrária brasileira é apenas uma ficção. A vitória do presidente Lula nas eleições de 2002 reacendeu as esperanças dos trabalhadores rurais sem terra, o que de certa forma motivou mais uma enorme frustração, tendo em vista que neste governo o número de assentados tem sido bem menor do que no governo anterior, que nos seus oito anos de mandato distribuiu terras para cerca de 500 mil trabalhadores rurais.
Posteriormente, na tentativa de colonização, foi implantado o sistema de capitanias hereditárias, cuja distribuição de terras foi feita em forma de doações a portugueses que tinham grandes posses. Essa má distribuição das riquezas do campo tem trazido sérias consequências, em grande extensão ao longo do tempo, haja vista a triste constatação de o Brasil ocupar uma posição de destaque entre os países que atualmente apresentam o maior desequilíbrio social. É grave a questão fundiária no Brasil e de difícil equacionamento, porque é na grande propriedade rural que se produzem as supersafras de grão e vivem os grandes rebanhos bovinos, indispensáveis para manter o volume de exportação e alimentar a população dos grandes centros urbanos.
Os latifundiários, além do poder econômico, sempre detiveram também a força política, razão das dificuldades de se levar à frente um projeto consistente de reforma agrária. Pode-se afirmar que a Constituição brasileira de 1946 foi a primeira que apresentou uma proposta de reforma agrária, vinculando o uso da propriedade ao bem-estar social e prevendo a indenização em dinheiro para as terras desapropriadas. Comenta Strazzacappa (2006, p.38):
"É com a Constituição de 1946, promulgada no governo de Eurico Gaspar Dutra, que surgem as primeiras propostas de reforma agrária, condicionando o uso da propriedade ao bem-estar social. Estava assim retomado o princípio da função social da propriedade. Vislumbrava-se a execução de uma reforma agrária, uma vez que essa Constituição dispunha sobre a necessidade de desapropriar terras, atendendo aos interesses sociais. Previa até indenização em dinheiro para as terras desapropriadas."
A reforma agrária prevista na Constituição de 1946 não avançou em sua proposição, pois o governo, aproveitando-se do pretexto da indenização em dinheiro para o pagamento das terras desapropriadas, alegava falta de recursos do Tesouro para realizá-la. No governo do presidente Goulart, houve uma retomada do tema reforma agrária com a alteração do art. 147 da Constituição de 1946 e a sanção do Decreto nº 4.132, que definia os casos de desapropriação por interesse social. Adotou também outras medidas importantes ao determinar que a Superintendência Nacional da Reforma Agrária – SUPRA incorporasse o Instituto Nacional de Imigração e Colonização – INIC, o Conselho Nacional de Reforma Agrária – CNRA e o Serviço Social Rural – SSR.
A reforma agrária no Brasil é na verdade um enorme desafio. Há os que entendem que é temerário desapropriar uma propriedade produtiva para entregá-la ao pequeno lavrador, sem meios para assegurar o mesmo volume de produção de antes, comprometendo desse modo a economia do país. Segundo esses entendidos, deve-se encontrar uma solução que concilie a convivência da agricultura comercial ou de exportação com a agricultura familiar ou de subsistência.
Os governos militares queriam povoar a Amazônia. Em 1971, no governo do presidente Médici, foi criado o PROTERRA – Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste, como uma tentativa de fazer-se uma reforma agrária através de financiamento com prazo longo e condições favoráveis. Tentou-se também a implantação de alguns projetos de colonização, chamados de agrovilas, às margens de rodovias federais. Para melhor realçar a matéria, é importante apresentar um comentário sobre as agrovilas do projeto de colonização às margens da Transamazônica, feito por Adas (2004, p.192):
"Como projeto de assentamento rural, elas poderiam ter sido bem-sucedidas. Entretanto não apresentaram os resultados esperados, pois enfrentaram uma série de problemas: insuficiência de assistência médica e escolar, dificuldade em escoar a produção e até mesmo despreparo de muitos colonos em trabalhar a terra. Esses fatores desestimularam o desenvolvimento das agrovilas. Muitos colonos abandonaram suas casas e lotes, alugando-os para migrantes sem terra que chegavam à região."
Como se verifica, fracassou essa tentativa de povoamento da região e de reforma agrária, não por culpa do colono, mas por falta de condições necessárias para a sua fixação no local. Frustrado esse propósito, o Governo tomou a iniciativa de incentivar o povoamento da região através da instalação de mega-empreendimentos com muitas facilidades de empréstimos subsidiados, isenção de impostos e outros incentivos fiscais. Sobre esses empreendimentos, é bom que se analisem as observações de Adas (2004, p.193):
"Estimuladas pelas facilidades oferecidas pelo governo federal (isenção de impostos, empréstimos de dinheiro a longo prazo e a juros baixos, incentivos ficais), grandes empresas começaram a instalar projetos agropecuários na Amazônia: Volkswagem (Companhia Vale do Rio Cristalino, localizada no sul do Pará, abrangendo uma área de 140 mil hectares); a Suiá-Missu (700 mil hectares, área quatro vezes maior do que a Baía de Guanabara), fundada pelo Grupo Ometto (80%) e Ariosto da Riva (20%), vendida posteriormente ao grupo italiano Liquifarm; a Companhia de Desenvolvimento do Araguaia – Codeara (600 mil hectares, de propriedade do Banco de Crédito Nacional, da família Conde); e muitos outros, pertencentes a diversos grupos – Bradesco, Bamerindus, Tamakavy (rede de lojas de Sílvio Santos), Sadia, Camargo Corrêa, Frigorífico Atlas (de que participam empresas alemães), Drury’s Amazônica S.A (norte-americana), Projeto Jarí (1,5 milhão de hectares pertencente durante anos ao milionário norte-americano Daniel Ludwig); Geórgia Pacific (500 mil hectares), Toyomenka (300 mil hectares), etc. São propriedades de dimensões gigantescas, maiores que alguns estados brasileiros e muitos países."
É inegável que os governos militares investiram muito na atividade rural, porém no período em que estiveram no poder não realizaram uma redistribuição de terras como prometiam, conforme prevista na Lei do Estatuto da Terra e no PROTERRA, agravando o problema da concentração de terra nas mãos de uma minoria privilegiada. A má distribuição de terras é um problema nacional. No entanto, no Centro-Oeste, no Nordeste e no Norte, a situação é bem mais grave. Contraditoriamente, com o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste – PROTERRA, criado em 1971, no governo do presidente Médici, cujo fim era uma reforma agrária via financiamento, resultou em um efeito inverso, visto que a situação da concentração de terras fora agravada com essa medida. A expansão da agropecuária na região Norte resultou no agravamento dos conflitos de terra, fato que é tratado por Adas (2004, p.193):
"A chegada dos grandes projetos agropecuários (e também minerais) na Amazônia representou uma grande destruição do meio ambiente, além de acirrar os conflitos de territorialidade, ou seja, a disputa por territórios. Esses conflitos representam o choque de interesses das partes envolvidas na ‘ocupação’ recente da Amazônia, ou seja, as grandes empresas agropecuárias e minerais, os trabalhadores sem-terra, os pequenos e médios proprietários, os posseiros, os garimpeiros, os indígenas, os grileiros, os seringueiros e os castanheiros."
Os governos militares, visando ao povoamento da Amazônia, idealizaram os projetos de colonização à margem das rodovias federais com incentivos financeiros. O Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria - PROTERRA, no entanto, além de financiamentos para aquisição de terras, dispunha de várias outras linhas de créditos com subsídios e condições de pagamento favoráveis, fato esse que despertou a cobiça de grandes produtores e grupos empresariais, os quais buscaram formar grandes fazendas, expulsaram os pequenos lavradores e posseiros da região e agravaram o problema da má distribuição de terras. O mais grave de tudo é que essas questões ainda estão longe de ser resolvidas, pois recentemente, no Governo de Fernando Henrique Cardoso, vários conflitos se verificaram, fato que também é relatado por Adas (2004, p.197):
"No início do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), a questão ficou obscurecida pela política de estabilização da economia e combate à inflação, representada pelo Plano Real. Entretanto, não tardou para que a questão do acesso à terra retomasse um lugar de destaque, principalmente após as violências policiais manifestadas contra trabalhadores rurais em Corumbiara (Rondônia) e Eldorado de Carajás (Pará). Em 1995, em Corumbiara, a polícia agiu com violência numa ação de despejo em um acampamento de sem-terra, provocando várias mortes. Em abril de 1996, em Eldorado de Carajás, a intervenção policial para desbloquear uma estrada ocupada por trabalhadores rurais causou a morte de 17 pessoas. Institucionaliza-se, assim, a intervenção policial como forma de repressão de movimentos sociais no campo, legitimada, agora, pelo Estado, quando tradicionalmente isso ocorria por meio de milícias particulares mantidas por grandes proprietários rurais."
A agricultura comercial continua economicamente em expansão, no entanto, provocando conseqüências desastrosas para o meio ambiente e para os pequenos lavradores, que são expulsos das suas terras. No Acre a seringueira e a castanha-do-pará estão sendo derrubadas para ceder lugar à abertura de fazendas, problema que resultou no assassinato, em 1988, do líder seringueiro e ecologista Chico Mendes, porque não se conformando com a destruição desordenada de árvores e o massacre de índios, resolveu levantar a bandeira em prol da preservação das matas. Este tema está comentado em matéria disponibilizada no ‘‘site” da Fundação Joaquim Nabuco (2005, p.02):
"Por outro lado sua perseverança em proteger o meio ambiente e as espécies nativas da região, despertou o ódio dos grupos de fazendeiros e empresas que insistiam na exploração e na devastação da floreta. Durante todo o ano de 1988, Chico Mendes sofreu ameaças de morte e perseguições por parte de pessoas ligadas a partidos políticos e organizações clandestinas destinadas a exploração desregrada da região. No dia 22 de dezembro de 1988, após inúmeros conflitos, intrigas, levantes e movimentos sindicais, o sindicalista e ecologista Chico Mendes teve a sua vida ceifada por mãos criminosas, passando a ser a 97a. vítima na lista dos trabalhadores rurais, assassinada durante o ano de 1988, por lutar pelos seus direitos, como também pela preservação ambiental da Região Amazônica."
A morte de Chico Mendes teve enorme repercussão em todo o país e internacionalmente, porque foi ele covardemente assassinado ao defender uma causa das mais nobres. No Pará, os conflitos agrários também são intensos. As madeireiras representam hoje um grave problema para o Estado. Lá são constantes os atritos com os índios e pequenos agricultores. Há um interessante comentário de Campos no Jornal O Povo (2005, p.06):
"A morte da missionária católica americana Dorothy Mãe Stang, de dois sindicalistas, e de uma quarta pessoa possivelmente como ‘queima de arquivo’, em menos de 72 horas no estado do Pará, põe em alerta o Governo Federal pelas conseqüências que os assassinatos possam vir a causar. O clima na região é tenso, e pelo menos 40 líderes de movimentos sociais e trabalhadores rurais estariam jurados de morte por grileiros e fazendeiros da região."
Esses conflitos vêm sendo alimentados de longa data, apenas aflora com mais intensidade em algumas ocasiões. Outro caso que teve grande repercussão foi o de Eldorado dos Carajás, no sul do Pará, ocorrido em abril de 1996, quando se verificaram várias mortes em um confronto entre policiais e trabalhadores rurais sem-terra acampados. A política agrícola até então adotada no Brasil é muito controvertida: se por um lado tem apresentado bons resultados no que diz respeito ao volume produzido e trazido divisas para o país, por outro é excludente, por isto está havendo, no momento, uma acentuada preocupação de setores da Igreja com o avanço do plantio de soja e da criação de gado em Rondônia. Esse problema foi relatado por Bassegio (2004, p.01-02):
"Como se tudo isso não bastasse, as famílias do sul de Rondônia, no eixo Vilhena-Ji-Paraná, estão agora ameaçadas pelo avanço do plantio da monocultura da soja mecanizada e tecnificada. O que está acontecendo? Grande parte das famílias deixaram de se dedicar à agricultura e passaram a se dedicar à agropecuária. Entretanto, segundo dados divulgados pela II Assembléia dos Bispos da Regional Noroeste (RO, AC e sul do Amazonas) o cultivo da soja rende 1000% a mais por hectare do que as pastagens extensivas, gera mais empregos e paga melhores salários. Qual é o problema então? Segundo a CNBB ‘é a valorização das terras, ou seja, os produtores de soja compram ou arrendam as terras ocupadas pela agricultura familiar, depois pelas pastagens, por elevado preço, o que motiva a recriação das áreas de pastagens em raio maior’. Os pecuaristas capitalizados ocupam outras áreas de florestas o que provoca um novo ciclo de desmatamento."
A preocupação da Igreja é totalmente procedente. Experiências anteriores confirmam que, quando isso acontece, as famílias de pequenos produtores são pressionadas para venderem as suas terras ou simplesmente são expulsas para cederem espaço para os grandes produtores. Com isso agrava-se cada vez mais o problema da concentração das riquezas do campo em detrimento do pequeno produtor. Roraima tem solos que favorecem o cultivo de várias culturas. É um Estado onde foram implantados vários projetos de colonização, mas, por diversas razões, dentre as quais as questões relativas a estradas e acesso a crédito bancário e assistência técnica e extensão rural, muitos colonos estão desestimulados e abandonando os seus lotes. O garimpo e a expansão da atividade rural há anos estão agravando a questão indígena no Estado. É o Estado que tem a maior população de índio do país, por isso, também, é lá onde se registram os maiores problemas relacionados com conflitos indígenas. Sobre os conflitos indígenas em Roraima, é interessante analisar artigo disponibilizado na Internet, de autoria de Baumer (2005, p.01):
"A questão do índio é mais delicada, e configura a maior polêmica na região. Não por acaso, Roraima é a única Unidade da Federação a manter uma Secretaria de Estado do Índio, comandada por um indígena da etnia macuxi, Orlando Oliveira Justino. O foco do debate gira em torno da iminente homologação da reserva Raposa Serra do Sol, área contínua já demarcada que pode varrer da região do extremo norte de Roraima dois núcleos urbanos, uma estrada e cerca de metade das lavouras de arroz do Estado."
Entre os vários protagonistas sociais nos conflitos de territorialidade na Amazônia, os indígenas são os mais fragilizados pela ausência de políticas públicas eficientes para resolver o problema. Em outros Estados e regiões, os conflitos também são freqüentes. No Nordeste, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra – MST tem destacada atuação nos estados do Maranhão, Bahia e Pernambuco. Mato Grosso, no Centro-Oeste, Minas Gerais e São Paulo, no Sudeste, além do Paraná e Rio Grande do Sul, na Região Sul, também são palcos de muitos atritos. Atualmente, as disputas por terras no Rio Grande do Sul tomaram proporções alarmantes, tendo o Ministério Público decidido interferir na atuação do Movimento, sob o argumento de que este estaria infringindo a Lei nº 7.170/83, que define os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. Em razão disso, o MST denunciou na Organização das Nações Unidas – ONU e na Organização dos Estados Americanos – OEA a tentativa de “criminalização” dos sem terra, conforme notícia publicada no site do MST e em jornais de circulação nacional.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, de há muito, pressiona as autoridades brasileiras sobre o porquê de a política de assentamento de trabalhadores rurais adotada, no momento, caminha em passos muito lentos, não atendendo, desse modo, às expectativas dos que necessitam de terra para trabalhar. As tentativas já realizadas no sentido de redistribuir terras através de financiamentos também não satisfizeram os anseios dos necessitados, daí porque a sociedade tem uma sensação de que a reforma agrária brasileira é apenas uma ficção. A vitória do presidente Lula nas eleições de 2002 reacendeu as esperanças dos trabalhadores rurais sem terra, o que de certa forma motivou mais uma enorme frustração, tendo em vista que neste governo o número de assentados tem sido bem menor do que no governo anterior, que nos seus oito anos de mandato distribuiu terras para cerca de 500 mil trabalhadores rurais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário