O cerne da Decisão do Supremo Tribunal
Federal – STF diz respeito à declaração de inconstitucionalidade dos artigos 20
e 21 do Código Civil, que limitavam o direito de expressão. O art. 21 do Código
Civil esclarece que “a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a
requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir
ou fazer cessar ato contrário a esta norma”. Comentando o art. 21 do Código
Civil, o ex-Ministro do STF, Cezar Peluso, no Código Civil Comentado, 4. Ed.
Barueri, Manole, 2010, p. 42 e 43, esclarece que o “Corolário de regra
constitucional (art. 5º, X, da CF/88), é vedada a intromissão de estranhos na
vida privada. Trata-se de obrigação de não fazer decorrente da lei e cujo
descumprimento pode ser coibido mediante provimento jurisprudencial de natureza
cominatória”. E isso, no entender do STF, colide com o direito à liberdade de
expressão previsto na Constituição Federal. Em assim sendo, os artigos 20 e 21
do Código Civil são inconstitucionais.
Segundo informou
o Jornal Nacional de 10 de maio de 2015, “A ministra relatora, Cármen Lúcia, votou pela
liberação das biografias não autorizadas. Afirmou que os dois artigos do Código
Civil usados como argumento de defesa da necessidade de autorização prévia para
publicação afrontam a Constituição. A ministra disse que a Constituição
garante, de forma clara, a liberdade de expressão. E que se houver difamação ou
calúnia, isso tem que ser tratado na Justiça, com indenizações. A ministra
criticou a censura prévia, que priva o leitor de acesso a informação”.
O direito à igualdade e o direito à
liberdade encontram-se previstos em todas as declarações de direitos espalhadas
pelo mundo, sendo assegurados a todos os cidadãos, sem exceção, nos termos da
lei. A Magna Carta Libertatum, emanada do Rei João Sem Terra, em 1215, no
entanto, foi a primeira que trouxe expressamente esses direitos. Segundo
Gustavo Henrique Schneider Nunes, no artigo intitulado “O direito à liberdade
de expressão e o direito à imagem”, publicado na internet, no site Jus
Navigandi, “A Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, datada de 12 de
janeiro de 1776, influenciada pelos escritos de Hobbes, Locke, Rousseau e
Montesquieu, foi a primeira declaração de direitos fundamentais, em sentido
moderno.
Ela consubstanciava, dentre outros direitos, que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes. Segundo ainda colhemos do artigo acima referido, “Pouco tempo depois, em 17 de setembro de 1787, a Constituição dos Estados Unidos da América foi aprovada pela Convenção de Filadélfia, sendo que em 1791 foram inseridas as dez primeiras Emendas, assegurando-se, dentre outros direitos fundamentais: a liberdade de religião e culto, de palavra, de imprensa, de reunião pacífica e direito de petição (Emenda 1ª), e a proibição da escravatura e servidão involuntária (Emenda 13ª)”.
Por sua vez, em 1789, a França brindou o mundo com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que diferentemente das declarações norte-americanas, apesar de também ter sido influenciada pelos ideais contratualistas, não estava preocupada com a situação concreta que afligia a comunidade local. Ao contrário, era abstrata e universalizante, eis que marcada pelo intelectualismo, mundialismo e individualismo. Por essa razão é considerada o documento marcante do Estado Liberal, que norteou várias Constituições que lhe sucederam mundo afora, tendo, inclusive, influenciado a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948.
Traço comum de todas as declarações de direitos mencionadas é o entendimento de que o homem deixou de ser confundido com o Estado, tornando-se um sujeito de direitos, inclusive em relação ao próprio Estado. Segundo ainda Gustavo Henrique Schneider Nunes, “... durante o desenvolvimento do processo histórico a liberdade passou a ser contemplada como direito fundamental do homem, baseando-se em dois aspectos: a ausência de constrangimento e a autonomia (ou autogoverno). Esses dois aspectos tratam-se da liberdade negativa e da liberdade positiva”. Segundo ele, “a liberdade negativa impõe ao Estado a obrigação de não praticar atos capazes de interferir em determinada esfera individual. Aqui o ser humano age de acordo com seu livre-arbítrio".
Ela consubstanciava, dentre outros direitos, que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes. Segundo ainda colhemos do artigo acima referido, “Pouco tempo depois, em 17 de setembro de 1787, a Constituição dos Estados Unidos da América foi aprovada pela Convenção de Filadélfia, sendo que em 1791 foram inseridas as dez primeiras Emendas, assegurando-se, dentre outros direitos fundamentais: a liberdade de religião e culto, de palavra, de imprensa, de reunião pacífica e direito de petição (Emenda 1ª), e a proibição da escravatura e servidão involuntária (Emenda 13ª)”.
Por sua vez, em 1789, a França brindou o mundo com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que diferentemente das declarações norte-americanas, apesar de também ter sido influenciada pelos ideais contratualistas, não estava preocupada com a situação concreta que afligia a comunidade local. Ao contrário, era abstrata e universalizante, eis que marcada pelo intelectualismo, mundialismo e individualismo. Por essa razão é considerada o documento marcante do Estado Liberal, que norteou várias Constituições que lhe sucederam mundo afora, tendo, inclusive, influenciado a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948.
Traço comum de todas as declarações de direitos mencionadas é o entendimento de que o homem deixou de ser confundido com o Estado, tornando-se um sujeito de direitos, inclusive em relação ao próprio Estado. Segundo ainda Gustavo Henrique Schneider Nunes, “... durante o desenvolvimento do processo histórico a liberdade passou a ser contemplada como direito fundamental do homem, baseando-se em dois aspectos: a ausência de constrangimento e a autonomia (ou autogoverno). Esses dois aspectos tratam-se da liberdade negativa e da liberdade positiva”. Segundo ele, “a liberdade negativa impõe ao Estado a obrigação de não praticar atos capazes de interferir em determinada esfera individual. Aqui o ser humano age de acordo com seu livre-arbítrio".
A Constituição brasileira, no seu
art. 5º, inciso IV afirma que “é livre a manifestação de pensamento, vedado o
anonimato”. Acrescenta ainda o inciso IX do art. 5º da Constituição Federal que
“é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença.” Ressalte-se ainda que
segundo a DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS SOBRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, aprovada no seu 108º período ordinário de
sessões, celebrado de 16 a 27 de outubro de 2000, “A liberdade de expressão, em
todas as suas formas e manifestações, é um direito fundamental e inalienável,
inerente a todas as pessoas. É, ademais, um requisito indispensável para a
própria existência de uma sociedade democrática”. Como se vê, a liberdade de
expressão é um direito fundamental. Por outro lado, não podemos perder de vista
que o inciso X do mesmo artigo 5º. da Constituição Federal assegura o direito a
inviolabilidade da intimidade, quando diz que “são invioláveis a intimidade, a
vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Sobre a Decisão
do STF, confiram a notícia encontrada no site da Corte Suprema:
“Por unanimidade, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
4815 e declarou inexigível a autorização prévia para a publicação de
biografias. Seguindo o voto
da relatora, ministra Cármen Lúcia, a decisão dá interpretação conforme a
Constituição da República aos artigos 20 e 21 do Código Civil, em consonância
com os direitos fundamentais à liberdade de expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença
de pessoa biografada, relativamente a obras biográficas literárias ou
audiovisuais (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas).
Na ADI 4815, a Associação Nacional dos
Editores de Livros (ANEL) sustentava que os artigos 20 e 21 do Código Civil
conteriam regras incompatíveis com a liberdade de expressão e de informação. O
tema foi objeto de audiência pública convocada pela relatora em novembro de
2013, com a participação de 17 expositores.
Confira, abaixo, os
principais pontos dos votos proferidos.
Relatora
A ministra Cármen Lúcia destacou que a
Constituição prevê, nos casos de violação da privacidade, da intimidade, da
honra e da imagem, a reparação indenizatória, e proíbe “toda e qualquer censura
de natureza política, ideológica e artística”. Assim, uma regra
infraconstitucional (o Código Civil) não pode abolir o direito de expressão e
criação de obras literárias. “Não é proibindo, recolhendo obras ou impedindo
sua circulação, calando-se a palavra e amordaçando a história que se consegue
cumprir a Constituição”, afirmou. “A norma infraconstitucional não pode
amesquinhar preceitos constitucionais, impondo restrições ao exercício de
liberdades”.
Ministro Luís Roberto
Barroso
O ministro destacou que o caso envolve
uma tensão entre a liberdade de expressão e o direito à informação, de um lado,
e os direitos da personalidade (privacidade, imagem e honra), do outro – e, no
caso, o Código Civil ponderou essa tensão em desfavor da liberdade de
expressão, que tem posição preferencial dentro do sistema constitucional. Essa
posição decorre tanto do texto constitucional como pelo histórico brasileiro de
censura a jornais, revistas e obras artísticas, que perdurou até a última
ditadura militar. Barroso ressaltou, porém, que os direitos do biografado não
ficarão desprotegidos: qualquer sanção pelo uso abusivo da liberdade de
expressão deverá dar preferência aos mecanismos de reparação a posteriori,
como a retificação, o direito de resposta, a indenização e até mesmo, em último
caso, a responsabilização penal. (Leia
a íntegra do voto do ministro Luís Roberto Barroso.)
Ministra Rosa Weber
A ministra Rosa Weber manifestou seu entendimento de que controlar as biografias implica tentar controlar ou apagar a história, e a autorização prévia constitui uma forma de censura, incompatível com o estado democrático de direito. “A biografia é sempre uma versão, e sobre uma vida pode haver várias versões”, afirmou, citando depoimento da audiência pública sobre o tema.
Ministro Luiz Fux
O ministro destacou que a notoriedade do biografado é adquirida pela comunhão de sentimentos públicos de admiração e enaltecimento do trabalho, constituindo um fato histórico que revela a importância de informar e ser informado. Em seu entendimento, são poucas as pessoas biografadas, e, na medida em que cresce a notoriedade, reduz-se a esfera da privacidade da pessoa. No caso das biografias, é necessária uma proteção intensa à liberdade de informação, como direito fundamental.
Ministro Dias Toffoli
Para o ministro, obrigar uma
pessoa a obter previamente autorização para lançar uma obra pode levar à
obstrução de estudo e análise de História. “A Corte está afastando a ideia de
censura, que, no Estado Democrático de Direito, é inaceitável”, afirmou. O
ministro ponderou, no entanto, que a decisão tomada no julgamento não autoriza
o pleno uso da imagem das pessoas de maneira absoluta por quem quer que seja.
“Há a possibilidade, sim, de intervenção judicial no que diz respeito aos
abusos, às inverdades manifestas, aos prejuízos que ocorram a uma dada pessoa”,
assinalou.
Ministro Gilmar Mendes
Segundo o ministro, fazer com que a publicação de biografia dependa de prévia autorização traz sério dano para a liberdade de comunicação. Ele destacou também a necessidade de se assentar, caso o biografado entenda que seus direitos foram violados publicação de obra não autorizadas, a reparação poderá ser efetivada de outras formas além da indenização, tais como a publicação de ressalva ou nova edição com correção.
Ministro Marco Aurélio
O ministro destacou que há, nas gerações atuais, interesse na preservação da memória do país. “E biografia, em última análise, quer dizer memória”, assinalou. “Biografia, independentemente de autorização, é memória do país. É algo que direciona a busca de dias melhores nessa sofrida República”, afirmou. Por fim, o ministro salientou que, havendo conflito entre o interesse individual e o coletivo, deve-se dar primazia ao segundo.
Ministro Celso de Mello
O decano do STF afirmou que a garantia
fundamental da liberdade de expressão é um direito contramajoritário, ou seja,
o fato de uma ideia ser considerada errada por particulares ou pelas
autoridades públicas não é argumento bastante para que sua veiculação seja
condicionada à prévia autorização. O ministro assinalou que a Constituição
Federal veda qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística.
Mas ressaltou que a incitação ao ódio público contra qualquer pessoa, grupo
social ou confessional não está protegida pela cláusula constitucional que
assegura a liberdade de expressão. “Não devemos retroceder nesse processo de
conquista das liberdades democráticas. O peso da censura, ninguém o suporta”, afirmou
o ministro.
Ministro Ricardo
Lewandowski
O presidente do STF afirmou que o
Tribunal vive um momento histórico ao reafirmar a tese de que não é possível
que haja censura ou se exija autorização prévia para a produção e publicação de
biografias. O ministro observou que a regra estabelecida com o julgamento é de
que a censura prévia está afastada, com plena liberdade de expressão artística,
científica, histórica e literária, desde que não se ofendam os direitos
constitucionais dos biografados”.
Não é possível perdermos de vista ainda que a noção de liberdade é demasiadamente ampla, em razão disso, deve ser entendida como um ideal a ser seguido pelos legisladores e operadores do Direito. E é por ser o direito à liberdade extremamente amplo, não consistindo tão somente no direito de ir e vir, amparado por habeas corpus, que o cidadão também tem direito à liberdade de expressão, de culto, credo ou religião, de profissão, de desenvolver atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, dentre outros. Para Pedro Frederico Caldas, no seu livro vida privada, liberdade de imprensa e dano moral, São Paulo: Saraiva, 1997, p. 64, “Ser livre comporta dimensão física (poder ir, vir, ficar, fazer, não fazer) e dimensão moral, ou liberdade psicológica (de pensamento, de crença, de expressão oral ou verbal)”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário