No início da década de sessenta, teve-se um período de muitas inquietações, culminando com um Golpe Militar em 1964, que depôs o presidente da República, justamente porque uma das bandeiras do então Mandatário da Nação era a Reforma Agrária.
Em abril de 1964, chegam os Militares ao poder com o propósito de ‘‘arrumar a casa e promover o desenvolvimento da Nação’’, segundo defendiam. O propósito não era impossível, considerando que os militares encontraram o país com uma relativa infraestrutura em estrada, com empresas de porte como a Petrobras, a Vale do Rio Doce, a Companhia Siderúrgica Nacional e o Banco do Brasil, além de outros órgãos, como a Companhia Brasileira de Alimentos, a Superintendência Nacional de Abastecimento, a Comissão de Financiamento da Produção e a Companhia Brasileira de Armazenamento.
Dispondo de infraestrutura e de um razoável arcabouço jurídico - o que se fez no início do governo, com a aprovação do Estatuto da Terra, da regulamentação do Crédito Rural e da Reforma do Sistema Financeiro, criação do Banco Central e Conselho Monetário Nacional -, faltava tão somente reorganizar a economia e estruturar os bancos oficiais para dá efetividade às ações e projetos de governo. Um grande problema da época, além da questão econômica, com altas taxas de inflação e déficit público, estava no campo. Com a finalidade de amenizá-lo, logo depois da posse, procuram aprovar o projeto da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, também chamada de Estatuto da Terra, visando a modificar a estrutura fundiária do país.
Durante o governo dos militares, transcorreu um período de muita prosperidade na economia, com o chamado ‘‘Milagre Econômico”. A agricultura brasileira teve muitos avanços naquele período, porque além do grande incentivo que se verificou através do crédito rural subsidiado, da assistência técnica e extensão rural, do armazenamento e do seguro agropecuário, outras iniciativas, como as que se deu com a Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, e o Decreto nº 73.626, de 12 de fevereiro de 1974, que consolidaram os Direitos Trabalhistas do Trabalhador Rural, e a Lei Complementar de nº 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), foram vitais como instrumentos de política social e de valorização de uma classe de trabalhador que, ao longo da história, foi espoliada pelos latifundiários.
A década de setenta pode ser indicada como de conquistas legais e econômicas para o homem do campo. Naquele período, o dinheiro canalizado para o setor rural foi suficiente para atender toda a demanda de crédito dos produtores. Não havia limitação orçamentária para tal finalidade. O Banco do Brasil dispunha da Conta Movimento que lhe assegurava ressarcir-se automaticamente junto ao Banco Central de todo o dinheiro que emprestava aos agricultores. Naquele período, o aporte de dinheiro para a agricultura não se processava nos moldes de hoje, ou seja, via orçamento da União. O Banco do Brasil trabalhava sem limitação orçamentária, ressarcindo-se de tudo que emprestava por meio de uma simples partida contábil. Em razão disso havia fartura de dinheiro. Houve na época uma verdadeira revoada de pessoas das Regiões Sul e Sudeste em busca de terras para explorar nas Regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Ao Iniciar o período de ditadura, cuidou-se primeiramente de se solucionar alguns entraves a um projeto de desenvolvimento do campo.
Para isso, fazia-se necessário reorganizar a economia, amenizar as insatisfações em torno da questão fundiária, reformar o sistema financeiro, regulamentar o crédito rural e, paulatinamente, ir adequando a estrutura à realidade vivenciada. No início do regime militar, durante a presidência do Marechal Humberto Castelo Branco, a preocupação maior foi com a reorganização econômica. Na ocasião a inflação era altíssima e a dívida externa parecia incontrolável. A política econômica foi entregue aos ministros Otávio Gouveia de Bulhões, da Fazenda, e Roberto Campos, do Planejamento. Juntos elaboraram o PAEG - Plano de Ação Econômica do Governo -, uma tentativa de estabilizar a economia e lançar as bases para a retomada do crescimento econômico. Segundo Vicentino (1997, p.408):
"O plano previa, em primeiro lugar, o combate ao déficit público: proibiu-se, aos governos estaduais, a emissão de títulos sem prévia autorização do governo federal; buscou-se combater os gastos excessivos das empresas estatais, tornando-as rentáveis, o que determinou um aumento nos preços dos produtos e serviços oferecidos por essas empresas (petróleo, energia). Isto, somado ao aumento no preço do trigo importado provocado pela adoção de um câmbio realista, causou uma elevação do custo de vida. Em seguida, aumentaram-se os impostos, obtendo-se, assim, um equilíbrio entre a receita e as despesas do governo."
A partir de julho de 1964, fez-se a indexação da economia, com a criação de um índice, a ORTN (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional), atualizado mensalmente, de acordo com a variação dos preços. Contratos e prestações seriam atualizados pelo índice, tornando possível a chamada correção monetária. A respeito da reorganização da economia no início do governo dos militares, a Revista Veja, de 31 de outubro de 2007, p.09, comenta:
"O motor fica escondido debaixo do capô. Nunca é visto. Mas sem ele o carro não sai do lugar. Interessante paralelo pode ser feito com as reformas institucionais. No fundo, elas sãos os motores que fazem os países andar. A fotografia que ilustra esta página é muita vista. Ela registra o gesto triunfal do presidente Juscelino Kubitschek ao inaugurar a primeira fábrica de automóveis no Brasil, em 1959, marco zero da industrialização brasileira. Ninguém se lembra de que debaixo do capô do triunfalismo juscelinista se acumulou uma dívida pública que teria inviabilizado não apenas o processo de industrialização mas todo o país, caso ela não fosse atacada pelas reformas impopulares e corajosas feitas mais tarde no governo Castello Branco. Seus autores intelectuais foram Octávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos. Pouca gente fora da profissão de economia sabe bem o que a dupla Bulhões-Campos fez pelo Brasil. Fotos deles raramente são vistas. Mas eles montaram o motor institucional do país ao criar a Lei de Mercado de Capitais, o Código de Minas, o Estatuto da Terra, um eficiente Código Tributário e, como se fosse pouco, o Banco Central."
Ainda naquele momento, houve a retomada de projetos indispensáveis para a política agrícola iniciados nos governos de Jânio Quadros e João Goulart. Dentre essas iniciativas, destacam-se os projetos de lei do Estatuto da Terra, o da Reforma Bancária e o da Lei que institucionalizou o crédito rural. Este foi, sem dúvida, o “carro chefe” da política agrícola adotada no período da ditadura. Com o fito de aparelhar os bancos para atender à demanda de crédito, criou-se a Cédula de Crédito Rural, através do Decreto-lei nº 167/67, pois só assim facilitaria a operacionalização desses negócios e daria mais segurança às instituições financeiras. Estas precisavam de mecanismos que facilitassem as contratações e, ao mesmo tempo, lhes dessem segurança, por isto que a Cédula de Crédito Rural foi criada e introduzida no direito brasileiro como título de crédito. Segundo Martins (1998, p.210):
"Foi, contudo, o Decreto-Lei no. 167, de 14 de fevereiro de 1967, que melhor dispôs sobre os títulos de crédito destinados ao financiamento rural, regulando-os devidamente. Nos termos desse diploma legal, ‘o financiamento rural concedido pelos órgãos integrantes do sistema nacional de crédito rural à pessoa física ou jurídica poderia efetuar-se por meio das cédulas de crédito rural’, na forma de regulamentação constante desta lei. Dispõe, também, o Decreto-Lei (da mesma forma que o fizera a Lei no. 253, de 1957), sobre a Nota Promissória Rural e instituiu a Duplicata Rural, para ser usada por produtores rurais ou suas cooperativas. Houve, assim, uma extensão, devidamente adaptada, às atividades rurais, de títulos já utilizados nas atividades comerciais em geral. Na realidade, o Governo não foi feliz na regulamentação da Nota Promissória Rural e da Duplicata Rural; salva-se, porém, a intenção de pôr à disposição de agricultores e pecuaristas instrumentos capazes de facilitar as suas atividades. Essas, como se sabe, estão afastadas, de modo injusto, das atividades comerciais, o que faz com que o rurícola, agricultor ou pecuarista, fique privado de muitas das regalias de que gozam os que se dedicam ao comércio e à indústria."
São quatro as modalidades de Cédulas de Crédito Rural: Cédula de Crédito Rural Pignoratícia, Cédula de Crédito Rural Hipotecária, Cédula de Crédito Rural Pignoratícia e Hipotecária e a Nota de Crédito Rural, das quais só esta última não admite garantia real. Diz a lei que ‘‘cédula de crédito rural é um título civil, líquido e certo, exigível pela soma dele constante ou do endosso, além dos juros, da comissão de fiscalização, se houver, e demais despesas que o credor fizer para segurança, regularidade e realização do seu direito creditório” (art. 10). Afirma Martins (1998, p.212): Considera a lei o título como civil por se prender a atividades rurais, em regra afastadas do campo do direito comercial. Essa orientação, contudo, é passível de críticas pois se sabe que muitas atividades rurais podem ficar sujeitas ao direito comercial, bastando que a empresa agrícola tome, por exemplo, a forma de sociedade anônima.
Ademais, a tendência atual é para considerar atividades rurais, quando exercida profissionalmente, com intuito de lucro, abrangidas pelo direito comercial, abandonando-se a antiga orientação de que as atividades agrícolas seriam sempre civis, do mesmo modo que acontece com as atividades imobiliárias. Além disso, as cédulas de crédito rural se valem de institutos próprios dos títulos de crédito, que são títulos puramente comerciais, muito embora utilizados por comerciantes e não comerciantes. São as cédulas de crédito rural títulos de crédito com características próprias, o que não é de admirar, considerando que foram criadas em função de um objetivo específico, o de propiciar maiores facilidades e segurança aos bancos na concessão de crédito agrícola. Essa ferramenta criada no início do Regime Militar teve uma importância capital para o objetivo pretendido, que era levar o crédito rural para o maior número possível de produtores em todos os recantos do País.
Os militares encontraram o país em condições de iniciar uma política desenvolvimentista no campo, visto que os primeiros passos já haviam sido iniciados pelos governos anteriores, notadamente pelo presidente Juscelino, que implantou a indústria automobilística e construiu rodovias importantes, como a Belém-Brasília, por exemplo, indispensáveis para a abertura das fronteiras agrícolas, como se verificaram nas Regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil. Havia necessidade, no entanto, de reorganizar a economia e fazer uma reforma institucional, o que se fez com a dupla Bulhões e Roberto Campos, por meio de um ousado plano econômico, o qual regulamentou o crédito rural, aprovou o Estatuto da Terra, a Lei de Mercado de Capitais, o Código Tributário Nacional, criou o Banco Central e instituiu mecanismo de controle das finanças públicas, com a Lei nº 4.320, ainda hoje em vigor.
Contudo, os governos militares, principalmente o Governo do presidente Médici, entenderam que outras obras seriam necessárias para o crescimento do país e, por isso, construíram novas rodovias, como a Transamazônica e o desenvolvimento da Cuiabá-Santarém, Cuiabá - Porto Velho e a Porto Velho - Manaus, dentre outras, de modo que o país ficasse totalmente interligado e pronto para o crescimento, que era o grande objetivo da época. A importância da infra-estrutura no desempenho da atividade rural é ressaltada por Nóbrega (1985, p.111): "Os investimentos em infra-estrutura econômica são de fundamental importância para o desenvolvimento da agricultura, seja pela geração de economias externas que reduzem indiretamente o custo de produção do setor, seja pela diminuição de desperdício no armazenamento das safras."
Os governos militares também investiram na construção de outras obras necessárias para o desenvolvimento que se pretendia, como as Hidrelétricas de Tucuruí e Itaipu, e investiram na indústria pesada, como a siderúrgica e de bens de capital, e criaram, em 1965, o Banco Nacional de Habitação, inserindo a classe média no sistema de crédito. Instituíram a poupança obrigatória, ou poupança compulsória dos trabalhadores, por meio do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), em 1966, que, dentre os objetivos visados, encontrava-se o de canalizar recursos para financiar os projetos do governo. O Banco Central do Brasil foi criado pela Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências.
O crédito rural, no entanto, só foi institucionalizado com a Lei nº 4.829, de 5 de novembro de 1965, que representou um avanço importante para a política agrícola do regime militar. A relevância do crédito rural como instrumento de política agrícola é indiscutível, mas o subsídio deu motivos para muitas controvérsias, tendo a sua eficácia questionada por alguns especialistas. A política de subsídio do crédito rural foi o principal instrumento de incentivo do desenvolvimento rural adotada pelos governos militares. O crédito subsidiado, sem sombra de dúvida, incentivava os investimentos no campo, por outro lado, convidava aos desvios, considerando ser muito lucrativo investi-lo em outras atividades, onde as linhas de financiamentos não ofereciam os mesmos atrativos. A deficiência dos instrumentos de acompanhamento e controle favorecia a ação dos produtores mal intencionados. A modernização da atividade agrícola brasileira teve início na década de 1960 com a política agrícola dos governos militares. Segundo Ribeiro (1988, p. 92),
“a racionalidade do modelo de modernização agrícola adotado a partir de 1967 concentrou-se em dois pontos: dinamização dos setores improdutivos através de outras políticas que não a alteração dos sistemas de posse e uso da terra; e abertura ao comércio internacional, no contexto de uma estratégia econômica global de inserção crescente nos fluxos da economia internacional”.
O processo de modernização das atividades do campo teve como principal elemento motivador o crédito rural subsidiado. Comentando a respeito, afirma Ribeiro (1988, p.93): "A importância do crédito agrícola para o processo de modernização da agricultura pode ser avaliada, quando se comparam os valores do crédito concedido para determinados insumos e a soma total dos recursos gastos pelos agricultores em sua aquisição. Os dados disponíveis mostram que, em 1979, o valor do crédito para fertilizantes representou 90% do valor das vendas de fertilizantes no Brasil; o valor do crédito para defensivos representou mais de 75% do valor total das vendas de defensivos e os financiamentos creditícios para tratores representaram mais de 90% do valor das vendas das indústrias para o setor agrícola. O peso do amparo creditício na compra de insumo não pode ser desligado dos subsídios embutidos nos financiamentos, resultados de taxas reais de juros crescentemente negativas (em 1976 a taxa real de juros era de -24,3% passando para -43,1% em 1980)."
É evidente que os avanços no setor rural brasileiro têm estreita relação com o crédito rural subsidiado. Muito embora o crédito rural subsidiado tenha sido o pilar de sustentação da política agrícola do regime militar, fizeram-se necessários outros mecanismos de incentivo, notadamente a assistência técnica e a extensão rural, a garantia de preços mínimos, transporte e armazenamento e seguro rural. Na década de 1970, muitos projetos foram criados com o objetivo de fomentar a atividade rural. Destacam-se a criação, em 6 de julho de 1971, através do Dec. Lei nº 1.179, do Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA), o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste (POLONORDESTE), o Projeto Sertanejo e o Programa de Incentivo à Produção de Borracha Vegetal (PROBOR), criado em 17 de julho de 1972 pelo Dec. Lei nº 1.232.
Além desses programas, vários outros foram instituídos para as diversas regiões do país, todos adequados à realidade de cada uma delas. Em todas as situações, as taxas de juros eram subsidiadas e os prazos para pagamento extremamente longos, proporcionando, evidentemente, as condições mais favoráveis possíveis para aqueles que quisessem investir na atividade rural. A criação desses programas de desenvolvimento regionais estimulou a busca por terra e crédito fácil nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. A região Norte, talvez pelas suas peculiaridades, favorecia a ação de pessoas aventureiras e mal intencionadas, que lá se fixavam com o intuito de se beneficiar dos incentivos governamentais.
O lamentável é que os recursos direcionados aos Bancos oficiais para financiar a agropecuária da Região não foram precedidos de um estudo que indicasse as reais prioridades e, além do mais, não se fazia uma seleção criteriosa dos beneficiários nem o necessário acompanhamento das operações concedidas para se verificar a efetiva aplicação do dinheiro nas devidas finalidades. A oferta de dinheiro fácil estimulava a aventura, por isso muitas pessoas, quase sempre de outras regiões, procuravam os bancos e apresentavam os mais diversos tipos de projeto na tentativa de obter crédito das instituições financeiras. Na maioria dos casos, os projetos eram totalmente inviáveis e os valores orçados superestimados. Os proponentes desse tipo de financiamento, em regra, eram pessoas que aparentavam conhecer o ramo de atividade, demonstravam muito interesse pelo empreendimento e, por isso, muitas vezes, conseguiam o deferimento do pleito e acabavam convencendo os administradores do banco da importância econômica e social do negócio proposto. Esse fato é relatado por Musumeci (1988, p. 16):
"Ao longo dos anos 70, o alastramento e acirramento dos conflitos de terra pareciam confirmar a existência de um processo geral de ‘avanço capitalista’ na Amazônia, ocasionado sobretudo pela maciça instalação de grandes projetos agropecuários (muitas vezes fictícios), contando com o apoio financeiro e político do Estado, envolvendo a grilagem, a especulação, fraudes, violência, e resultando freqüentemente na expulsão dos antigos posseiros e no ‘fechamento das terras antes livres da região’".
O Banco do Brasil aumentou muito rapidamente o seu número de agências entre as décadas de setenta e oitenta, por isso teve dificuldades para selecionar do seu quadro pessoas aptas para o desempenho das funções de administrador. As agências do Banco na região Norte eram as que mais necessitavam de administradores experientes, considerando os problemas fundiários e o tipo de cliente que buscava o apoio financeiro da instituição, mas, ao contrário, muitos funcionários novos e com pouca vivência com crédito rural foram nomeados para cargo de gerente de agência, o que contribuía para que certos aventureiros obtivessem êxitos em seus pleitos e para o insucesso de muitas operações, levando o banco e a sociedade a arcar com enormes prejuízos.
A região Norte produz hoje apenas cerca de 2,80% da produção agrícola do país, o que mostra que os incentivos e investimentos a ela destinados não responderam na mesma intensidade dos que foram feitos na região Centro-Oeste. Até o início da década de setenta, a atividade rural era inexpressiva e a economia rural era muito dependente da extração de madeira, da borracha, da castanha-do-pará, da piaçava, da caça, da pesca e da criação extensiva de animais. A pecuária extensiva ainda hoje é uma atividade marcante na Amazônia, havendo grandes projetos ao longo das rodovias, implantados com incentivos governamentais. Na verdade, a pecuária extensiva é utilizada na especulação fundiária, como forma de valorização e obstáculos para a desapropriação das terras para fins de reforma agrária.
A economia da região tem estreita relação com o regime militar, considerando que, naquele período, foram construídas as ‘‘rodovias de penetração”, iniciadas com a Transamazônica, e com o desenvolvimento da Cuiabá-Santarém, Cuiabá-Porto Velho e a Porto Velho-Manaus, vitais para o povoamento da Região. Ainda com o objetivo de melhorar o desempenho da agricultura brasileira, deu-se prioridade ao crédito agrícola com assistência técnica. Pretendia-se fomentar as pesquisas e incentivar o uso de assistência técnica, por isso que, em 1973, criou-se a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e, em 1974, a EMBRATER – Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural. Desse modo, conseguiram avanços no campo das pesquisas agropecuárias. Na década de setenta, investiu-se muita na atividade rural.
Houve uma firme decisão no sentido de fazer do país a potência rural que é hoje. Para a disseminação do crédito da maneira como se fez, os bancos oficiais e os órgãos de assistência técnica e extensão foram preponderantes, razão por que se criou, neste trabalho, capítulo próprio para falar acerca deles. O Presidente Geisel, visando a minorar os efeitos da primeira crise do petróleo, que ocorreu no início da década de setenta, sobre a economia brasileira, como medida alternativa, criou, em novembro de 1975, o Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL), tido por muitos especialistas como estratégico e de vital importância para a economia do país, tendo em vista o grande potencial de produção do Brasil, proporcionado por vários fatores, acarretando esse empreendimento uma diminuição da dependência do petróleo, com uma conseqüente redução do volume financeiro das importações. Um aspecto também relevante é que se trata de um combustível limpo, pouco poluente.
O programa teve de início uma grande repercussão, pois o governo disponibilizou dinheiro subsidiado para o seu financiamento, tendo atingido, em 1979, a meta de produção de três milhões de metros cúbicos, que havia estipulado para o ano seguinte, 1980. Segundo Oliveira e Gonçalves Neto (2005, p.01-02): "Por isso, o Proálcool, Programa Nacional do Álcool, definido em novembro de 1975 e acelerado a partir de julho de 1979, foi uma tentativa do governo brasileiro de desenvolver fontes alternativas para gerar energia líquida. Esse programa federal, administrado pelo Ministério da Indústria e Comércio através da CENAL – Comissão Executiva Nacional do Álcool, tinha por objetivo o aumento da produção de safras agroenergéticas e a capacidade industrial de transformação, visando a obtenção de álcool para substituir o petróleo e seus derivados, em especial a gasolina."
Embora muitas críticas tenham sido feitas ao Programa, indiscutivelmente foi uma iniciativa louvável, daí, nos dias atuais, ter retomado as atenções do governo bem como despertado muito interesse de outros países, que desejam comprar o álcool brasileiro.
No bojo das preocupações dos militares no tocante às questões relativas ao campo, a que teve maior alcance social foi, sem dúvida, o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), instituído pela Lei Complementar nº 11, de 25.05.1971, que consistia na prestação dos seguintes benefícios: aposentadoria por velhice; aposentadoria por invalidez; pensão; auxílio-funeral; serviço de saúde; serviço social. Nada era mais degradante de que a situação do trabalhador rural no Brasil antes da aludida Lei, tendo em vista que trabalhava até quando a saúde permitia e, depois, na velhice, quando mais carecia de meios de sobrevivência, ficava na dependência de parentes que, quase sempre, não dispunham de condições para lhe proporcionar uma existência digna.
É verdade que, de início, o benefício era de apenas metade do que se paga atualmente, mas foi partindo desse ponto que a sociedade foi tomando consciência da importância da medida e, graças às pressões dos movimentos sociais, o trabalhador rural adquiriu a condição de segurado especial, fato consagrado na Constituição de 1988, tendo, doravante, pelo menos, o necessário para sobreviver em caso de doença e na velhice, quando não mais pode trabalhar. Neste País, nenhuma medida tomada até os dias atuais teve maior alcance social do que o PRORURAL.
É louvável a sensibilidade que teve o Constituinte de 1988 ao inserir na Constituição dispositivo que deu ao trabalhador rural essa condição de segurado especial, proporcionando a milhares de idosos e inválidos, que foram trabalhadores rurais, condições para viverem com relativa dignidade, em função de benefícios que percebem da Previdência Social. A falta de uma legislação trabalhista que amparasse o trabalhador rural foi sem dúvida uma das maiores injustiças corrigidas pelos governos militares, o que, por razões diversas, não encontrou guarida em nenhum outro governo, nem mesmo no de Getúlio Vargas, que se intitulou como “o pai dos pobres”.
Em razão disso, o problema perdurou por muito tempo, mesmo depois de ter sido instituída para o trabalhador urbano. Esse problema, mesmo que com algumas incoerências em relação ao que dispõe a CLT, acabou sendo regulamentado pela Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, e o Decreto nº 73.626, de 12 de fevereiro de 1974. Não era concebível que uma classe tão importante no contexto social do país ficasse eternamente esquecida e desamparada, sendo espoliada pelos latifundiários, como se verificou ao longo de vários séculos.
Dispondo de infraestrutura e de um razoável arcabouço jurídico - o que se fez no início do governo, com a aprovação do Estatuto da Terra, da regulamentação do Crédito Rural e da Reforma do Sistema Financeiro, criação do Banco Central e Conselho Monetário Nacional -, faltava tão somente reorganizar a economia e estruturar os bancos oficiais para dá efetividade às ações e projetos de governo. Um grande problema da época, além da questão econômica, com altas taxas de inflação e déficit público, estava no campo. Com a finalidade de amenizá-lo, logo depois da posse, procuram aprovar o projeto da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, também chamada de Estatuto da Terra, visando a modificar a estrutura fundiária do país.
Durante o governo dos militares, transcorreu um período de muita prosperidade na economia, com o chamado ‘‘Milagre Econômico”. A agricultura brasileira teve muitos avanços naquele período, porque além do grande incentivo que se verificou através do crédito rural subsidiado, da assistência técnica e extensão rural, do armazenamento e do seguro agropecuário, outras iniciativas, como as que se deu com a Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, e o Decreto nº 73.626, de 12 de fevereiro de 1974, que consolidaram os Direitos Trabalhistas do Trabalhador Rural, e a Lei Complementar de nº 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), foram vitais como instrumentos de política social e de valorização de uma classe de trabalhador que, ao longo da história, foi espoliada pelos latifundiários.
A década de setenta pode ser indicada como de conquistas legais e econômicas para o homem do campo. Naquele período, o dinheiro canalizado para o setor rural foi suficiente para atender toda a demanda de crédito dos produtores. Não havia limitação orçamentária para tal finalidade. O Banco do Brasil dispunha da Conta Movimento que lhe assegurava ressarcir-se automaticamente junto ao Banco Central de todo o dinheiro que emprestava aos agricultores. Naquele período, o aporte de dinheiro para a agricultura não se processava nos moldes de hoje, ou seja, via orçamento da União. O Banco do Brasil trabalhava sem limitação orçamentária, ressarcindo-se de tudo que emprestava por meio de uma simples partida contábil. Em razão disso havia fartura de dinheiro. Houve na época uma verdadeira revoada de pessoas das Regiões Sul e Sudeste em busca de terras para explorar nas Regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Ao Iniciar o período de ditadura, cuidou-se primeiramente de se solucionar alguns entraves a um projeto de desenvolvimento do campo.
Para isso, fazia-se necessário reorganizar a economia, amenizar as insatisfações em torno da questão fundiária, reformar o sistema financeiro, regulamentar o crédito rural e, paulatinamente, ir adequando a estrutura à realidade vivenciada. No início do regime militar, durante a presidência do Marechal Humberto Castelo Branco, a preocupação maior foi com a reorganização econômica. Na ocasião a inflação era altíssima e a dívida externa parecia incontrolável. A política econômica foi entregue aos ministros Otávio Gouveia de Bulhões, da Fazenda, e Roberto Campos, do Planejamento. Juntos elaboraram o PAEG - Plano de Ação Econômica do Governo -, uma tentativa de estabilizar a economia e lançar as bases para a retomada do crescimento econômico. Segundo Vicentino (1997, p.408):
"O plano previa, em primeiro lugar, o combate ao déficit público: proibiu-se, aos governos estaduais, a emissão de títulos sem prévia autorização do governo federal; buscou-se combater os gastos excessivos das empresas estatais, tornando-as rentáveis, o que determinou um aumento nos preços dos produtos e serviços oferecidos por essas empresas (petróleo, energia). Isto, somado ao aumento no preço do trigo importado provocado pela adoção de um câmbio realista, causou uma elevação do custo de vida. Em seguida, aumentaram-se os impostos, obtendo-se, assim, um equilíbrio entre a receita e as despesas do governo."
A partir de julho de 1964, fez-se a indexação da economia, com a criação de um índice, a ORTN (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional), atualizado mensalmente, de acordo com a variação dos preços. Contratos e prestações seriam atualizados pelo índice, tornando possível a chamada correção monetária. A respeito da reorganização da economia no início do governo dos militares, a Revista Veja, de 31 de outubro de 2007, p.09, comenta:
"O motor fica escondido debaixo do capô. Nunca é visto. Mas sem ele o carro não sai do lugar. Interessante paralelo pode ser feito com as reformas institucionais. No fundo, elas sãos os motores que fazem os países andar. A fotografia que ilustra esta página é muita vista. Ela registra o gesto triunfal do presidente Juscelino Kubitschek ao inaugurar a primeira fábrica de automóveis no Brasil, em 1959, marco zero da industrialização brasileira. Ninguém se lembra de que debaixo do capô do triunfalismo juscelinista se acumulou uma dívida pública que teria inviabilizado não apenas o processo de industrialização mas todo o país, caso ela não fosse atacada pelas reformas impopulares e corajosas feitas mais tarde no governo Castello Branco. Seus autores intelectuais foram Octávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos. Pouca gente fora da profissão de economia sabe bem o que a dupla Bulhões-Campos fez pelo Brasil. Fotos deles raramente são vistas. Mas eles montaram o motor institucional do país ao criar a Lei de Mercado de Capitais, o Código de Minas, o Estatuto da Terra, um eficiente Código Tributário e, como se fosse pouco, o Banco Central."
Ainda naquele momento, houve a retomada de projetos indispensáveis para a política agrícola iniciados nos governos de Jânio Quadros e João Goulart. Dentre essas iniciativas, destacam-se os projetos de lei do Estatuto da Terra, o da Reforma Bancária e o da Lei que institucionalizou o crédito rural. Este foi, sem dúvida, o “carro chefe” da política agrícola adotada no período da ditadura. Com o fito de aparelhar os bancos para atender à demanda de crédito, criou-se a Cédula de Crédito Rural, através do Decreto-lei nº 167/67, pois só assim facilitaria a operacionalização desses negócios e daria mais segurança às instituições financeiras. Estas precisavam de mecanismos que facilitassem as contratações e, ao mesmo tempo, lhes dessem segurança, por isto que a Cédula de Crédito Rural foi criada e introduzida no direito brasileiro como título de crédito. Segundo Martins (1998, p.210):
"Foi, contudo, o Decreto-Lei no. 167, de 14 de fevereiro de 1967, que melhor dispôs sobre os títulos de crédito destinados ao financiamento rural, regulando-os devidamente. Nos termos desse diploma legal, ‘o financiamento rural concedido pelos órgãos integrantes do sistema nacional de crédito rural à pessoa física ou jurídica poderia efetuar-se por meio das cédulas de crédito rural’, na forma de regulamentação constante desta lei. Dispõe, também, o Decreto-Lei (da mesma forma que o fizera a Lei no. 253, de 1957), sobre a Nota Promissória Rural e instituiu a Duplicata Rural, para ser usada por produtores rurais ou suas cooperativas. Houve, assim, uma extensão, devidamente adaptada, às atividades rurais, de títulos já utilizados nas atividades comerciais em geral. Na realidade, o Governo não foi feliz na regulamentação da Nota Promissória Rural e da Duplicata Rural; salva-se, porém, a intenção de pôr à disposição de agricultores e pecuaristas instrumentos capazes de facilitar as suas atividades. Essas, como se sabe, estão afastadas, de modo injusto, das atividades comerciais, o que faz com que o rurícola, agricultor ou pecuarista, fique privado de muitas das regalias de que gozam os que se dedicam ao comércio e à indústria."
São quatro as modalidades de Cédulas de Crédito Rural: Cédula de Crédito Rural Pignoratícia, Cédula de Crédito Rural Hipotecária, Cédula de Crédito Rural Pignoratícia e Hipotecária e a Nota de Crédito Rural, das quais só esta última não admite garantia real. Diz a lei que ‘‘cédula de crédito rural é um título civil, líquido e certo, exigível pela soma dele constante ou do endosso, além dos juros, da comissão de fiscalização, se houver, e demais despesas que o credor fizer para segurança, regularidade e realização do seu direito creditório” (art. 10). Afirma Martins (1998, p.212): Considera a lei o título como civil por se prender a atividades rurais, em regra afastadas do campo do direito comercial. Essa orientação, contudo, é passível de críticas pois se sabe que muitas atividades rurais podem ficar sujeitas ao direito comercial, bastando que a empresa agrícola tome, por exemplo, a forma de sociedade anônima.
Ademais, a tendência atual é para considerar atividades rurais, quando exercida profissionalmente, com intuito de lucro, abrangidas pelo direito comercial, abandonando-se a antiga orientação de que as atividades agrícolas seriam sempre civis, do mesmo modo que acontece com as atividades imobiliárias. Além disso, as cédulas de crédito rural se valem de institutos próprios dos títulos de crédito, que são títulos puramente comerciais, muito embora utilizados por comerciantes e não comerciantes. São as cédulas de crédito rural títulos de crédito com características próprias, o que não é de admirar, considerando que foram criadas em função de um objetivo específico, o de propiciar maiores facilidades e segurança aos bancos na concessão de crédito agrícola. Essa ferramenta criada no início do Regime Militar teve uma importância capital para o objetivo pretendido, que era levar o crédito rural para o maior número possível de produtores em todos os recantos do País.
Os militares encontraram o país em condições de iniciar uma política desenvolvimentista no campo, visto que os primeiros passos já haviam sido iniciados pelos governos anteriores, notadamente pelo presidente Juscelino, que implantou a indústria automobilística e construiu rodovias importantes, como a Belém-Brasília, por exemplo, indispensáveis para a abertura das fronteiras agrícolas, como se verificaram nas Regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil. Havia necessidade, no entanto, de reorganizar a economia e fazer uma reforma institucional, o que se fez com a dupla Bulhões e Roberto Campos, por meio de um ousado plano econômico, o qual regulamentou o crédito rural, aprovou o Estatuto da Terra, a Lei de Mercado de Capitais, o Código Tributário Nacional, criou o Banco Central e instituiu mecanismo de controle das finanças públicas, com a Lei nº 4.320, ainda hoje em vigor.
Contudo, os governos militares, principalmente o Governo do presidente Médici, entenderam que outras obras seriam necessárias para o crescimento do país e, por isso, construíram novas rodovias, como a Transamazônica e o desenvolvimento da Cuiabá-Santarém, Cuiabá - Porto Velho e a Porto Velho - Manaus, dentre outras, de modo que o país ficasse totalmente interligado e pronto para o crescimento, que era o grande objetivo da época. A importância da infra-estrutura no desempenho da atividade rural é ressaltada por Nóbrega (1985, p.111): "Os investimentos em infra-estrutura econômica são de fundamental importância para o desenvolvimento da agricultura, seja pela geração de economias externas que reduzem indiretamente o custo de produção do setor, seja pela diminuição de desperdício no armazenamento das safras."
Os governos militares também investiram na construção de outras obras necessárias para o desenvolvimento que se pretendia, como as Hidrelétricas de Tucuruí e Itaipu, e investiram na indústria pesada, como a siderúrgica e de bens de capital, e criaram, em 1965, o Banco Nacional de Habitação, inserindo a classe média no sistema de crédito. Instituíram a poupança obrigatória, ou poupança compulsória dos trabalhadores, por meio do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), em 1966, que, dentre os objetivos visados, encontrava-se o de canalizar recursos para financiar os projetos do governo. O Banco Central do Brasil foi criado pela Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências.
O crédito rural, no entanto, só foi institucionalizado com a Lei nº 4.829, de 5 de novembro de 1965, que representou um avanço importante para a política agrícola do regime militar. A relevância do crédito rural como instrumento de política agrícola é indiscutível, mas o subsídio deu motivos para muitas controvérsias, tendo a sua eficácia questionada por alguns especialistas. A política de subsídio do crédito rural foi o principal instrumento de incentivo do desenvolvimento rural adotada pelos governos militares. O crédito subsidiado, sem sombra de dúvida, incentivava os investimentos no campo, por outro lado, convidava aos desvios, considerando ser muito lucrativo investi-lo em outras atividades, onde as linhas de financiamentos não ofereciam os mesmos atrativos. A deficiência dos instrumentos de acompanhamento e controle favorecia a ação dos produtores mal intencionados. A modernização da atividade agrícola brasileira teve início na década de 1960 com a política agrícola dos governos militares. Segundo Ribeiro (1988, p. 92),
“a racionalidade do modelo de modernização agrícola adotado a partir de 1967 concentrou-se em dois pontos: dinamização dos setores improdutivos através de outras políticas que não a alteração dos sistemas de posse e uso da terra; e abertura ao comércio internacional, no contexto de uma estratégia econômica global de inserção crescente nos fluxos da economia internacional”.
O processo de modernização das atividades do campo teve como principal elemento motivador o crédito rural subsidiado. Comentando a respeito, afirma Ribeiro (1988, p.93): "A importância do crédito agrícola para o processo de modernização da agricultura pode ser avaliada, quando se comparam os valores do crédito concedido para determinados insumos e a soma total dos recursos gastos pelos agricultores em sua aquisição. Os dados disponíveis mostram que, em 1979, o valor do crédito para fertilizantes representou 90% do valor das vendas de fertilizantes no Brasil; o valor do crédito para defensivos representou mais de 75% do valor total das vendas de defensivos e os financiamentos creditícios para tratores representaram mais de 90% do valor das vendas das indústrias para o setor agrícola. O peso do amparo creditício na compra de insumo não pode ser desligado dos subsídios embutidos nos financiamentos, resultados de taxas reais de juros crescentemente negativas (em 1976 a taxa real de juros era de -24,3% passando para -43,1% em 1980)."
É evidente que os avanços no setor rural brasileiro têm estreita relação com o crédito rural subsidiado. Muito embora o crédito rural subsidiado tenha sido o pilar de sustentação da política agrícola do regime militar, fizeram-se necessários outros mecanismos de incentivo, notadamente a assistência técnica e a extensão rural, a garantia de preços mínimos, transporte e armazenamento e seguro rural. Na década de 1970, muitos projetos foram criados com o objetivo de fomentar a atividade rural. Destacam-se a criação, em 6 de julho de 1971, através do Dec. Lei nº 1.179, do Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA), o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste (POLONORDESTE), o Projeto Sertanejo e o Programa de Incentivo à Produção de Borracha Vegetal (PROBOR), criado em 17 de julho de 1972 pelo Dec. Lei nº 1.232.
Além desses programas, vários outros foram instituídos para as diversas regiões do país, todos adequados à realidade de cada uma delas. Em todas as situações, as taxas de juros eram subsidiadas e os prazos para pagamento extremamente longos, proporcionando, evidentemente, as condições mais favoráveis possíveis para aqueles que quisessem investir na atividade rural. A criação desses programas de desenvolvimento regionais estimulou a busca por terra e crédito fácil nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. A região Norte, talvez pelas suas peculiaridades, favorecia a ação de pessoas aventureiras e mal intencionadas, que lá se fixavam com o intuito de se beneficiar dos incentivos governamentais.
O lamentável é que os recursos direcionados aos Bancos oficiais para financiar a agropecuária da Região não foram precedidos de um estudo que indicasse as reais prioridades e, além do mais, não se fazia uma seleção criteriosa dos beneficiários nem o necessário acompanhamento das operações concedidas para se verificar a efetiva aplicação do dinheiro nas devidas finalidades. A oferta de dinheiro fácil estimulava a aventura, por isso muitas pessoas, quase sempre de outras regiões, procuravam os bancos e apresentavam os mais diversos tipos de projeto na tentativa de obter crédito das instituições financeiras. Na maioria dos casos, os projetos eram totalmente inviáveis e os valores orçados superestimados. Os proponentes desse tipo de financiamento, em regra, eram pessoas que aparentavam conhecer o ramo de atividade, demonstravam muito interesse pelo empreendimento e, por isso, muitas vezes, conseguiam o deferimento do pleito e acabavam convencendo os administradores do banco da importância econômica e social do negócio proposto. Esse fato é relatado por Musumeci (1988, p. 16):
"Ao longo dos anos 70, o alastramento e acirramento dos conflitos de terra pareciam confirmar a existência de um processo geral de ‘avanço capitalista’ na Amazônia, ocasionado sobretudo pela maciça instalação de grandes projetos agropecuários (muitas vezes fictícios), contando com o apoio financeiro e político do Estado, envolvendo a grilagem, a especulação, fraudes, violência, e resultando freqüentemente na expulsão dos antigos posseiros e no ‘fechamento das terras antes livres da região’".
O Banco do Brasil aumentou muito rapidamente o seu número de agências entre as décadas de setenta e oitenta, por isso teve dificuldades para selecionar do seu quadro pessoas aptas para o desempenho das funções de administrador. As agências do Banco na região Norte eram as que mais necessitavam de administradores experientes, considerando os problemas fundiários e o tipo de cliente que buscava o apoio financeiro da instituição, mas, ao contrário, muitos funcionários novos e com pouca vivência com crédito rural foram nomeados para cargo de gerente de agência, o que contribuía para que certos aventureiros obtivessem êxitos em seus pleitos e para o insucesso de muitas operações, levando o banco e a sociedade a arcar com enormes prejuízos.
A região Norte produz hoje apenas cerca de 2,80% da produção agrícola do país, o que mostra que os incentivos e investimentos a ela destinados não responderam na mesma intensidade dos que foram feitos na região Centro-Oeste. Até o início da década de setenta, a atividade rural era inexpressiva e a economia rural era muito dependente da extração de madeira, da borracha, da castanha-do-pará, da piaçava, da caça, da pesca e da criação extensiva de animais. A pecuária extensiva ainda hoje é uma atividade marcante na Amazônia, havendo grandes projetos ao longo das rodovias, implantados com incentivos governamentais. Na verdade, a pecuária extensiva é utilizada na especulação fundiária, como forma de valorização e obstáculos para a desapropriação das terras para fins de reforma agrária.
A economia da região tem estreita relação com o regime militar, considerando que, naquele período, foram construídas as ‘‘rodovias de penetração”, iniciadas com a Transamazônica, e com o desenvolvimento da Cuiabá-Santarém, Cuiabá-Porto Velho e a Porto Velho-Manaus, vitais para o povoamento da Região. Ainda com o objetivo de melhorar o desempenho da agricultura brasileira, deu-se prioridade ao crédito agrícola com assistência técnica. Pretendia-se fomentar as pesquisas e incentivar o uso de assistência técnica, por isso que, em 1973, criou-se a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e, em 1974, a EMBRATER – Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural. Desse modo, conseguiram avanços no campo das pesquisas agropecuárias. Na década de setenta, investiu-se muita na atividade rural.
Houve uma firme decisão no sentido de fazer do país a potência rural que é hoje. Para a disseminação do crédito da maneira como se fez, os bancos oficiais e os órgãos de assistência técnica e extensão foram preponderantes, razão por que se criou, neste trabalho, capítulo próprio para falar acerca deles. O Presidente Geisel, visando a minorar os efeitos da primeira crise do petróleo, que ocorreu no início da década de setenta, sobre a economia brasileira, como medida alternativa, criou, em novembro de 1975, o Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL), tido por muitos especialistas como estratégico e de vital importância para a economia do país, tendo em vista o grande potencial de produção do Brasil, proporcionado por vários fatores, acarretando esse empreendimento uma diminuição da dependência do petróleo, com uma conseqüente redução do volume financeiro das importações. Um aspecto também relevante é que se trata de um combustível limpo, pouco poluente.
O programa teve de início uma grande repercussão, pois o governo disponibilizou dinheiro subsidiado para o seu financiamento, tendo atingido, em 1979, a meta de produção de três milhões de metros cúbicos, que havia estipulado para o ano seguinte, 1980. Segundo Oliveira e Gonçalves Neto (2005, p.01-02): "Por isso, o Proálcool, Programa Nacional do Álcool, definido em novembro de 1975 e acelerado a partir de julho de 1979, foi uma tentativa do governo brasileiro de desenvolver fontes alternativas para gerar energia líquida. Esse programa federal, administrado pelo Ministério da Indústria e Comércio através da CENAL – Comissão Executiva Nacional do Álcool, tinha por objetivo o aumento da produção de safras agroenergéticas e a capacidade industrial de transformação, visando a obtenção de álcool para substituir o petróleo e seus derivados, em especial a gasolina."
Embora muitas críticas tenham sido feitas ao Programa, indiscutivelmente foi uma iniciativa louvável, daí, nos dias atuais, ter retomado as atenções do governo bem como despertado muito interesse de outros países, que desejam comprar o álcool brasileiro.
No bojo das preocupações dos militares no tocante às questões relativas ao campo, a que teve maior alcance social foi, sem dúvida, o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), instituído pela Lei Complementar nº 11, de 25.05.1971, que consistia na prestação dos seguintes benefícios: aposentadoria por velhice; aposentadoria por invalidez; pensão; auxílio-funeral; serviço de saúde; serviço social. Nada era mais degradante de que a situação do trabalhador rural no Brasil antes da aludida Lei, tendo em vista que trabalhava até quando a saúde permitia e, depois, na velhice, quando mais carecia de meios de sobrevivência, ficava na dependência de parentes que, quase sempre, não dispunham de condições para lhe proporcionar uma existência digna.
É verdade que, de início, o benefício era de apenas metade do que se paga atualmente, mas foi partindo desse ponto que a sociedade foi tomando consciência da importância da medida e, graças às pressões dos movimentos sociais, o trabalhador rural adquiriu a condição de segurado especial, fato consagrado na Constituição de 1988, tendo, doravante, pelo menos, o necessário para sobreviver em caso de doença e na velhice, quando não mais pode trabalhar. Neste País, nenhuma medida tomada até os dias atuais teve maior alcance social do que o PRORURAL.
É louvável a sensibilidade que teve o Constituinte de 1988 ao inserir na Constituição dispositivo que deu ao trabalhador rural essa condição de segurado especial, proporcionando a milhares de idosos e inválidos, que foram trabalhadores rurais, condições para viverem com relativa dignidade, em função de benefícios que percebem da Previdência Social. A falta de uma legislação trabalhista que amparasse o trabalhador rural foi sem dúvida uma das maiores injustiças corrigidas pelos governos militares, o que, por razões diversas, não encontrou guarida em nenhum outro governo, nem mesmo no de Getúlio Vargas, que se intitulou como “o pai dos pobres”.
Em razão disso, o problema perdurou por muito tempo, mesmo depois de ter sido instituída para o trabalhador urbano. Esse problema, mesmo que com algumas incoerências em relação ao que dispõe a CLT, acabou sendo regulamentado pela Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, e o Decreto nº 73.626, de 12 de fevereiro de 1974. Não era concebível que uma classe tão importante no contexto social do país ficasse eternamente esquecida e desamparada, sendo espoliada pelos latifundiários, como se verificou ao longo de vários séculos.
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