Tem razão o Colendo Superior Tribunal de Justiça, quando se preocupa com a
banalização do instituto do dano moral no direito brasileiro. As demandas que
objetivam o ressarcimento por danos morais estão sendo realmente banalizadas, uma
vez que são tantas, e muitas vezes tão absurdas, que cabe uma parada para
reflexão. O Judiciário, como todos sabemos, convive com um volume estarrecedor
de processo. E muitas vezes precisa de tempo para analisar demandas de
relevância para a sociedade como um todo, não podendo se dar ao trabalho de
cuidar de pleitos infundados, que visam, muitas vezes, tão somente interesses
escusos, ou enriquecimento ilícito. Sobre a preocupação do STJ com a indústria
do dano moral, confiram a notícia encontrada no site do Tribunal na data de 08
de fevereiro de 2015:
“Dano
moral: o esforço diário da Justiça para evitar a indústria das indenizações
O
instituto do dano moral no direito brasileiro tem se transformado com o
decorrer do tempo. Instituído em 1916, com o antigo Código Civil, em seus
artigos 76 e 159, ele foi consolidado pela Constituição Federal de 1988,
chegando à fase atual, pós Código Civil de 2002 e Código de Defesa do
Consumidor.
O
dicionário conceitua dano como defeito, estrago, perda, mal ou ofensa que se
faz a alguém. Em sentido comum, significa prejuízo, destruição, inutilização ou
deterioração de coisa alheia. Em termos jurídicos, segundo Fabrício Zamprogna
Matiello, autor do livro “Dano moral, dano material e reparação”, dano é
“qualquer ato ou fato humano produtor de lesões a interesses alheios
juridicamente protegidos”.
Para o
jurista Caio Mario da Silva Pereira, o dano moral é ‘qualquer sofrimento humano
que não é causado por uma perda pecuniária e abrange todo atentado à sua
segurança e tranquilidade, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua
inteligência, às suas afeições etc...’.
Wilson
Melo da Silva explica que danos morais são lesões sofridas pelo sujeito físico
ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, que é o conjunto de tudo
aquilo que não seja suscetível de valor econômico. Por esse entendimento
doutrinário, o dano moral é qualquer dano não patrimonial.
Diante da
amplitude e subjetividade em sua definição, o instituto vem sendo
reiteradamente invocado em pedidos de indenização descabidos, quando o
sofrimento alegado pelo autor da ação, no fundo, não representa mais do que um
mero dissabor. Tais pedidos são formulados muitas vezes com o intuito de
enriquecimento sem causa por parte daqueles que afirmam possuir direito à
reparação de um dano que está limitado ao simples aborrecimento.
O mau uso
do direito e a facilidade em obter a assistência judiciária têm preocupado os
ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que se deparam diariamente com
pedidos sem propósito e que sobrecarregam uma Justiça em busca de soluções para
a crescente quantidade de processos.
Aborrecimentos
diários
No REsp 1.399.931, de
relatoria do ministro Sidnei Beneti (já aposentado), o recorrente comprou um tablet
pela internet para presentear o filho no Natal. A mercadoria não foi entregue,
e o consumidor apresentou ação de indenização por danos morais.
De acordo
com Beneti, a jurisprudência do STJ tem assinalado que os aborrecimentos comuns
do dia a dia, ‘os meros dissabores normais e próprios do convívio social, não
são suficientes para originar danos morais indenizáveis’.
Para ele,
a falha na entrega da mercadoria adquirida pela internet configura, em
princípio, ‘mero inadimplemento contratual, não dando causa a indenização por
danos morais. Apenas excepcionalmente, quando comprovada verdadeira ofensa a
direito de personalidade, será possível pleitear indenização a esse título’.
Segundo
Beneti, o descumprimento contratual nesse caso não trouxe outras consequências,
como a frustração de um evento familiar especial ou a inviabilização da compra
de outros presentes de Natal. Também não ficou comprovado que o tablet
seria dado de presente ao filho adolescente. Nem mesmo a existência do menor
ficou demonstrada nos autos.
Por essas
razões, a Terceira Turma do STJ, de maneira unânime, decidiu que não são
devidos danos morais ao consumidor que adquire pela internet mercadoria para
presentear e não a recebe conforme esperado.
Transtorno
em viagem
Na mesma
linha do processo anterior, a Quarta Turma, também de maneira unânime, decidiu
que atraso em voo doméstico inferior a oito horas, sem a ocorrência de
consequências graves, não gera dano moral.
Conforme
explicou o ministro Luis Felipe Salomão, relator do REsp 1.269.246, a
verificação do dano moral ‘não reside exatamente na simples ocorrência do
ilícito’, pois nem todo ato em desacordo com o ordenamento jurídico possibilita
indenização por dano moral.
Para ele,
o importante é que ‘o ato seja capaz de irradiar-se para a esfera da dignidade
da pessoa, ofendendo-a de maneira relevante’. Por isso, Salomão diz que a
doutrina e a jurisprudência têm afirmado de maneira ‘uníssona’ que o mero
inadimplemento contratual não se revela bastante para gerar dano moral.
Nesse
caso, tanto o juízo de primeira instância quanto o tribunal local afirmaram que
não ficou demonstrado nenhum prejuízo adicional além do atraso do voo, de
aproximadamente oito horas, pois a Gol Transportes Aéreos S/A forneceu duas
opções para os passageiros: estadia em hotel custeado pela companhia ou viagem
de ônibus até o aeroporto de outra cidade, de onde partiria um voo para o
destino pela manhã.
Segundo
Salomão, a melhor doutrina leciona que ‘só se deve reputar como dano moral a
dor, o vexame, o sofrimento ou mesmo a humilhação que, fugindo à normalidade,
interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, chegando a
causar-lhe aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar’.
Todos
estão sujeitos
No REsp 1.234.549, o
relator, ministro Massami Uyeda (já aposentado), afirmou que as recentes
orientações do STJ caminham no sentido de afastar indenizações por dano moral
na hipótese em que há apenas aborrecimentos aos quais todos estão sujeitos.
Os
recorrentes compraram imóvel em um condomínio residencial pelo valor de R$ 95
mil e, após a mudança, constataram diversos problemas como infiltrações,
vazamentos e imperfeição do acabamento. Tais fatos geraram danos aos móveis da
residência e problemas de saúde no filho dos proprietários em consequência do
mofo.
Os
recorrentes pleitearam a rescisão contratual, a devolução do valor pago e a
condenação em danos morais no valor de R$ 20 mil.
Segundo
Uyeda, os problemas ocorridos no apartamento, embora tenham causado frustração,
por si sós não justificam indenização por danos morais. Para ele, mesmo que os
defeitos de construção tenham sido constatados pelas instâncias de origem, ‘tais
circunstâncias não tornaram o imóvel impróprio para o uso’.
‘A vida
em sociedade traduz, em certas ocasiões, dissabores que, embora lamentáveis,
não podem justificar a reparação civil por dano moral’, afirmou o ministro.
Em outro
julgamento da Quarta Turma, os ministros decidiram que a aquisição de produto
impróprio para o consumo, quando não há ingestão, configura hipótese de mero
dissabor vivenciado pelo consumidor, o que afasta qualquer pretensão
indenizatória.
A
discussão se deu no julgamento do AREsp 489.325, de
relatoria do ministro Marco Buzzi, e tratou do caso de um consumidor que
comprou lata de extrato de tomate com odor e consistência alterados. A lata de
extrato possuía colônias de fungos. O consumidor não ingeriu o produto, mas
pediu indenização por danos morais no valor de R$ 6 mil e a devolução do valor
pago pela lata.
Buzzi
afirmou que o vício constatado no produto autoriza a indenização por dano
material, correspondente ao valor efetivamente pago. Entretanto, como não houve
ingestão do produto, a condenação do fabricante em danos morais ficou afastada,
‘em razão da inexistência de abalo físico ou psicológico vivenciado pelo
consumidor’.
Porta
giratória
No REsp 1.444.573, os
ministros da Terceira Turma afastaram o dano moral em ação de reparação
proposta por policial militar que alegou constrangimento ao ficar travado na
porta giratória de uma agência do Banco Santander porque estava armado.
O
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reconheceu o dano moral e fixou o valor
da indenização em R$ 33.900. Contudo, o ministro João Otávio de Noronha
explicou que é obrigação da instituição financeira promover a segurança de seus
clientes, sendo exercício regular de direito a utilização de porta giratória
com detector de metais.
Segundo o
ministro, não caracteriza ato ilícito passível de indenização por dano moral o
simples travamento da porta giratória na passagem de policial militar armado,
ainda que fardado.
De acordo
com Noronha, a responsabilidade do banco em indenizar surge somente quando
praticada conduta ‘negligente, discriminatória ou abusiva que provoque situação
desproporcional e vexatória’, o que não ficou constatado no caso.
Dano
efetivo
Em
sentido contrário aos dissabores apresentados anteriormente, no REsp 1.395.285, de
relatoria da ministra Nancy Andrighi, foi analisada a situação de um consumidor
que comprou carro zero quilômetro fabricado pela Ford Motor Company Brasil, o
qual apresentou vários problemas.
Após
apenas seis meses da aquisição do automóvel, ele apresentou mais de 15 defeitos
em componentes distintos, alguns ligados à segurança – ‘ultrapassando em muito
a expectativa nutrida pelo recorrido ao adquirir o bem’, afirmou a ministra
Nancy Andrighi.
Tais
defeitos obrigaram o consumidor a retornar por seis vezes à concessionária para
que os reparos fossem efetuados. Ainda por cima, na última vez, um preposto da
concessionária bateu o carro do cliente.
A ação
proposta na primeira instância era de rescisão do negócio, cumulada com
restituição dos valores pagos e indenização por danos morais. O TJSP fixou a
indenização por danos morais em R$ 7.600. Inconformada, a Ford recorreu ao STJ
alegando que os percalços sofridos pelo consumidor caracterizavam apenas ‘um
inconveniente, um transtorno sem qualquer repercussão no mundo exterior’.
De acordo
com a ministra, em regra, eventual defeito em veículo se enquadra no conceito
de simples aborrecimento, incapaz de causar abalo psicológico, ‘sendo de se
esperar certo grau de tolerância do consumidor na solução do problema pelo
fornecedor’.
Entretanto,
os ministros da Terceira Turma foram unânimes no entendimento de que a
quantidade de defeitos apresentados pelo veículo extrapolou o razoável,
inclusive porque parte deles estava ligada a problemas no cinto de segurança,
nos discos e pastilhas de freio e na barra de direção – fatores que, segundo o
colegiado, reduzem não apenas a utilidade do bem, mas a própria segurança do
condutor e dos passageiros.
b
Por isso, a Turma considerou que esses defeitos ‘causaram ao recorrido
frustração, constrangimento e angústia, superando a esfera do mero dissabor
para invadir a seara do efetivo abalo moral’.”
A banalização do instituto do
dano moral é um fato preocupante. Primeiro porque muitas pessoas recorrem ao
instituto sem que a ele façam jus, e muitas vezes conseguem o seu intento. E
outras, que muitas recorrem por uma justa pretensão, acabam não conseguindo
êxito porque o instituo se encontra banalizando.
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