Essa
matéria já deu ensejo a muitos questionamentos, tanto doutrinários quanto jurisprudenciais.
E a prova maior disso se encontra no
presente feito a que estamos nos reportando, no qual o recorrente obteve ganho
da causa no STJ, após haver perdido no primeiro grau e no TJRS, um dos tribunais mais respeitado do país. A sentença
concluiu que a paternidade socioafetiva estava consolidada e devia prevalecer
sobre a verdade biológica. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS)
confirmou a decisão de primeiro grau e julgou improcedente a ação negatória de
paternidade, afirmando que a criança tem no pai registral “seu verdadeiro pai”
e estruturou sua personalidade “na crença dessa paternidade”, conforme teria
sido demonstrado no processo. Sobre o julgamento do Colendo STJ, confiram a notícia
publicada sobre o assunto:
“A
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso
de um homem para permitir a alteração do registro de nascimento de uma criança
em que ele constava como pai. A desconstituição da paternidade registral foi
autorizada diante da constatação de vício de consentimento: o homem, que vivia
com a mãe da criança, só descobriu que não era o pai biológico após fazer exame
de DNA.
Embora a
relação paterno-filial tenha durado cinco anos, os ministros levaram em conta o
fato de que o pai registral rompeu os laços de afetividade tão logo tomou
conhecimento da inexistência de vínculo biológico com a criança.
O
recorrente viveu em união estável com a mãe e acreditava ser mesmo o pai da
criança, que nasceu nesse período. Assim, registrou o menor e conviveu durante
cinco anos com ele. Ao saber de possível traição da companheira, fez o exame de
DNA.
Em ação
negatória de paternidade, ele pediu o reconhecimento judicial da inexistência
de vínculo biológico e a retificação do registro de nascimento.
Paternidade
socioafetiva
Após o
exame de DNA, a mãe – que antes negava a traição – passou a alegar que o
companheiro tinha pleno conhecimento de que não era o genitor, mas mesmo assim
quis registrar o menor como seu filho, consolidando uma situação de adoção à
brasileira.
A
sentença concluiu que a paternidade socioafetiva estava consolidada e devia
prevalecer sobre a verdade biológica. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul (TJRS) confirmou a decisão de primeiro grau e julgou improcedente a ação
negatória de paternidade, afirmando que a criança tem no pai registral ‘seu
verdadeiro pai’ e estruturou sua personalidade “na crença dessa paternidade”,
conforme teria sido demonstrado no processo.
No
recurso ao STJ, o autor da ação sustentou que foi induzido a erro pela mãe da
criança, que teria atribuído a paternidade a ele.
De acordo
com o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, ficou claro que, se o
recorrente soubesse da verdade, não teria registrado a criança, “tanto é assim
que, quando soube dos fatos, rompeu definitivamente qualquer relação anterior,
de forma definitiva”.
O
ministro considerou as conclusões do tribunal catarinense ao reconhecer a
ocorrência efetiva do vício de consentimento do recorrente, que, ao registrar a
criança, acreditou verdadeiramente que ela era fruto de seu relacionamento com
a mãe.
Segundo o
relator, se até o momento do exame de DNA a genitora alegava que o menor era
filho do recorrente e que nunca houve ato de infidelidade, é “crível” que ele
tenha sido induzido a erro para se declarar pai no registro de nascimento.
Disposição
voluntária
Para
Bellizze, a simples incompatibilidade entre a paternidade declarada no registro
e a paternidade biológica, por si só, ‘não autoriza a invalidação do registro’.
Há casos,
acrescentou o relator, em que o indivíduo, ciente de que não é o genitor da
criança, “voluntária e expressamente” declara ser o pai no momento do registro,
estabelecendo a partir daí vínculo de afetividade paterno-filial, como ocorre
na chamada adoção à brasileira.
O
ministro afirmou que a doutrina considera a existência de filiação socioafetiva
apenas quando há clara disposição do apontado pai para dedicar afeto e ser
reconhecido como tal. É necessário ainda que essa disposição seja voluntária. ‘Não
se concebe, pois, a conformação dessa espécie de filiação quando o apontado pai
incorre em qualquer dos vícios de consentimento’, concluiu.
Quando a
adoção à brasileira se consolida, segundo o relator, mesmo sendo antijurídica,
ela não pode ser modificada pelo pai registral e socioafetivo, pois nessas
situações a verdade biológica se torna irrelevante.
Relação
viciada
Bellizze
destacou que no caso em julgamento não houve adoção à brasileira, mas uma
relação de afeto estabelecida entre pai e filho registrais, baseada no vício de
consentimento originário, e que foi rompida completamente diante da ciência da
verdade dos fatos, há mais de oito anos – período superior à metade dos atuais
15 anos de vida do menor.
‘Não se
pode obrigar o pai registral, induzido a erro substancial, a manter uma relação
de afeto igualmente calcada no vício de consentimento originário, impondo-lhe
os deveres daí advindos, sem que voluntária e conscientemente o queira’,
afirmou.
O relator
disse que a filiação socioafetiva pressupõe ‘a vontade e a voluntariedade do
apontado pai de ser assim reconhecido juridicamente’, circunstância ausente no
caso.
Segundo o
ministro, ‘cabe ao marido (ou ao companheiro), e somente a ele, fundado em
erro, contestar a paternidade de criança supostamente oriunda da relação
estabelecida com a genitora, de modo a romper a relação paterno-filial então
conformada, deixando-se assente, contudo, a possibilidade de o vínculo de
afetividade vir a se sobrepor ao vício, caso, após o pleno conhecimento da
verdade dos fatos, seja esta a vontade do consorte/companheiro (hipótese que
não comportaria posterior alteração).”
O número
deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
Essa matéria já deu ensejo a muitas
polêmicas. E, provavelmente, as controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais ainda
irão se perdurar por muito tempo, mesmo após essa decisão do Colendo STJ, uma
vez que trata de Direito de Família e envolve um tema extremamente delicado,
que diz respeito à paternidade.
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