A
judicialização da saúde no Brasil é um assunto que tem causado muitas
controvérsias, uma vez que muitos pacientes recorrem à Justiça para resolver os
seus problemas de acesso a cirurgias, a medicamentos, a próteses e a vagas para
internação no SUS e hospitais privados, por isso que as demandas são intentadas
tanto contra as empresas de planos de saúde quanto em face do SUS. No que diz
respeito às demandas em relação ao SUS, ainda reinam muitas divergências, tendo
em vista que muitos juristas entendem que o Judiciário não tem legitimidade
para intervir em assuntos do SUS em razão do princípio da separação dos
poderes. Sobre a judicialização da saúde no que diz respeito ao SUS, o
pesquisador e professor de Direitos Humanos da London School of Economics,
Daniel Wang, manifestou-se:
“O
litígio de saúde no Brasil está fazendo o sistema público de saúde menos justo
e racional. Os tribunais estão criando um sistema público de saúde de dois
níveis - um para aqueles que podem recorrer e ter acesso a qualquer tipo de
tratamento, independentemente dos custos, e outro para o resto da população,
que não tem acesso a cuidados restritos. A forma como o Judiciário decide tem
também obrigado o Estado a fornecer drogas e serviços baseados em evidências
científicas pobres e, às vezes, sem considerar a relação custo-efetividade ou
as prioridades da saúde pública.”
Essa
afirmação é verdadeira. Ingressar na Justiça para obter tratamento médico de
melhor qualidade, muitos vezes fora do domicílio, tornou-se uma coisa
corriqueira. E como os magistrados, em regra - talvez para não correrem o risco
de ser acusados de omissão ou de culpa por eventual problema que venha ter o
paciente-, deferem os pedidos que lhes são endereçados, independentemente de
sopesamento de eventuais prejuízos para o resto da população que depende de
atendimento dos hospitais da rede pública de saúde.
O fato é
que a Constituição Federal, no seu art, 196, estabeleceu os fundamentos do
direito à saúde no Brasil, garantindo o acesso universal e integral às ações de
saúde a serem promovidas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Confiram:
Art. 196.
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos
e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção e
recuperação (BRASIL, 1988).
Em assim sendo, a nossa Constituição declarou expressamente o compromisso do Estado em propiciar acesso pleno e igualitário à saúde a todos os cidadãos. A esse respeito, Marcos Salles, representante da Associação dos Magistrados Brasileiros, no primeiro dia da Audiência de Saúde Pública realizada pelo STF comentou:
“A busca
da cura é uma das situações da condição humana em que por infelicidade se
procura e por felicidade se encontra. Mas a vida, por mais fé que se tenha em
alguma dogmática religiosa, não pode, no Estado democrático de Direito, ser
entregue à própria sorte (SALLES, 2009).”
O fato é que a
judicialização da saúde tornou-se uma realidade, que dificilmente será
revertida, considerando, inclusive a precariedade do atendimento da rede
pública de saúde, onde se concentra a maior demanda. O STF, no entanto, muito
embora entendendo cabível a via judicial para viabilizar o acesso aos serviços
de saúde, manifestou-se no sentido de que o direito a custeio de cirurgia de alto custo pelo Poder Público exige
demonstração de necessidade e ineficácia de outras alternativas. Confiram a notícia
encontrada no site do STF:
“O presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, determinou a suspensão de decisão
do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL) que havia obrigado o Município de
Maceió a custear procedimento médico conhecido como artroscopia, no valor de R$
41 mil. Segundo o ministro, desde decisão anterior da Corte em caso semelhante,
entendeu-se que não ficou demonstrada a necessidade de realização do
procedimento médico nem a busca por alternativas oferecidas pelo Sistema Único
de Saúde (SUS).
Para o ministro Ricardo Lewandowski, a
decisão da Justiça local representa uma ameaça de grave lesão à ordem e à
economia públicas. Ao decidir, o presidente do STF relatou que o caso
questionado pelo município se amolda a decisão anterior do STF, já proferida na
própria Suspensão de Tutela Antecipada (STA) 748, e determinou a extensão
de seus efeitos ao novo caso enfrentado pela administração da capital de
Alagoas.
O tema em debate na decisão original
da STA 748 é análogo ao veiculado no pedido atual do município. “Os princípios
da economicidade e da eficiência justificam o acolhimento do pleito ora
formulado pelo Município de Maceió”, afirmou o ministro Lewandowski, deferindo
sua extensão para a suspender os efeitos de decisão proferida pelo TJ-AL, a
qual havia mantido o bloqueio de R$ 41.396,59, determinado pelo juízo da 14ª
Vara Cível de Maceió para garantir a realização da cirurgia.
Pedido de extensão
O Município de Maceió argumentou em
seu pedido de extensão de decisão que, semelhantemente ao caso original, não
houve a demonstração de necessidade de realização de uma cirurgia de
artroscopia de ombro em detrimento de outros tratamentos fornecidos pelo
sistema público. No caso original decidido pelo STF (STA 748), também relativo
àquela municipalidade, foi determinada a suspensão de ordem judicial que
determinava a realização de um procedimento de estimulação magnética transcraniana
em um outro paciente, ao custo de R$ 68 mil. Segundo o entendimento da
presidência do Supremo à época, as provas não confirmaram o caráter urgente do
procedimento nem evidenciaram a busca prévia por alternativas oferecidas pelo
SUS.”
Os
direitos constitucionais fundamentais, notadamente no que diz respeito à saúde,
encontram dificuldades em relação a sua efetividade, ante a não atuação necessária
do Poder Público. Diante desta omissão por parte do poder elaborador e
garantidor de políticas públicas, reside ainda o óbice da discussão acerca da
atuação do Poder Judiciário.
Não
é possível esquecermos, por outro lado, que
segundo a reportagem do Fantástico de 04 de janeiro de 2015, muitos empresários
fabricantes e distribuidores de próteses unem-se a médicos para fraudar o SUS e
Planos de Saúde, desviando quantias fabulosas de recursos públicos e ainda
pondo em risco a vida de milhares de pacientes com cirurgias desnecessárias,
por isso que a decisão do STF pode servir como balizadora de tantas outras que
serão proferidas nas instâncias inferiores do Judiciário.
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