domingo, 1 de dezembro de 2013

O AGRONEGÓCIO NA TRANSIÇÃO DO REGIME MILITAR PARA A DEMOCRACIA

"Sei que o país é essencialmente agrícola. Afinal, posso ser ignorante, mas não tanto." (Presidente João Batista Figueiredo)
Nos primeiros anos do Governo Figueiredo (1979-1985), o produtor rural ainda possuía crédito em abundância. Tão-somente entre o meio e o fim do seu governo é que se começou a impor limitações, mesmo assim, algumas linhas de crédito contavam com prioridade de atendimento, numa demonstração de que o país ainda tinha fôlego para levar avante o projeto de crescimento das atividades do campo. No entanto, a partir do meio do mandato do último presidente militar, o cenário econômico mudou com a crise da dívida externa e a retomada do processo inflacionário. O dinheiro escasseou e os bancos passaram a ter contingenciamento orçamentário, culminando no governo do presidente Sarney, com o fim da Conta Movimento do Banco do Brasil. A Conta Movimento era um mecanismo de que dispunha o Banco que lhe permitia, quando emprestava, ressarcir-se, automaticamente, junto ao Banco Central, dos recursos de programas governamentais destinados ao fomento da atividade rural. Pode-se assegurar, com a mais absoluta convicção, que a condução da política agrícola durante os anos dos governos militares, apesar de muitos desacertos, contribuiu sobremaneira para muitas transformações e avanços na atividade rural, resultado de uma grande evolução no Direito Agrário. Houve em duas décadas uma produção legislativa considerável, fato que se comprova pela quantidade de órgãos que foram criados no período, pelas mudanças que se processaram no setor no tocante às relações de trabalho e pelas conquistas conseguidas por leis como a do Estatuto da Terra, a que instituiu o Crédito Rural e a da Reforma Bancária. Não se deve esquecer também a importância do Decreto-Lei nº 167/67, que criou a cédula de crédito rural, de vital importância para a dinamização dos negócios relativos ao crédito rural. Nos primeiros anos da década de oitenta, ainda no governo do presidente Figueiredo, a economia brasileira começou a enfrentar sérias dificuldades. A crise que se abateu sobre o país afetou em cheio os produtores rurais, que passaram a contar com menos crédito e em condições menos favoráveis.
A crise atingiu o seu ápice somente no governo do presidente Sarney, quando o produtor rural foi muito penalizado. Na ocasião, as suas dívidas, além de serem acrescidas de juros, eram atualizadas pela correção monetária, índice que superava o de valorização dos produtos agropecuários, que eram contidos pelas autoridades do governo como forma de evitar a inflação. Naquele período houve também muita escassez de recursos para a atividade rural. Os governos dos presidentes Sarney, Collor de Melo e Itamar Franco foram de poucas realizações no tocante à atividade rural. Nenhum deles, no entanto, prejudicou tanto o produtor rural quanto o presidente Collor, que extinguiu órgãos importantes para a implementação da política agrícola, cortou recursos para o setor e promoveu a abertura da economia, contribuindo para o empobrecimento e desestímulo de produtores. A sua política refletiu negativamente no Banco do Brasil, que resistindo dos problemas passados, necessitou de aporte de recursos no governo de Fernando Henrique Cardoso, sob pena de falir. O presidente Collor foi o primeiro civil eleito pelo povo depois de Jânio Quadros e após uma ditadura militar que durou mais de vinte anos. Destacou-se pela sua juventude, pela empolgação, pelo discurso de modernidade e pela promessa de combate à corrupção. Segundo Vicentino (1999, p.447): “Uma das palavras mais utilizadas por Collor desde a campanha eleitoral era ‘moderno’. Prometia modernizar o Brasil, e sua própria figura jovem, bem como a de alguns de seus ministros, forneciam um suporte a esse tipo de discurso. Por modernização, Collor entendia a diminuição do papel do Estado, o que incluía a defesa do livre mercado, a abertura para as importações, o fim dos subsídios e as privatizações. Em suma, uma adequação do Brasil à nova realidade do neoliberalismo mundial.” O presidente Collor assumiu a direção do país em um momento extremamente delicado, quando a inflação atingiu um índice de 84% ao mês. Por esta razão adotou medidas radicais para debelar o processo inflacionário, congelando ativos financeiros de clientes nos bancos, extinguindo empresas estatais e ministérios, tabelando preços, demitindo funcionários e abrindo a economia. No tocante à política agrícola, o governo Collor representou um grande retrocesso, pois o Banco do Brasil, o maior aliado do produtor rural, teve o volume de recursos aportado pelo Tesouro ao crédito agrícola cada vez mais reduzido, em vista das restrições fiscais, representando, em 1991, apenas 17% do total previsto. O banco enfrentou sérias dificuldades, pois aplicou no crédito rural um volume de recursos superior ao disponível nas fontes, com o desvio de recursos destinados a outras atividades ou mesmo à captação adicional no mercado, a custos mais elevados. O governo Collor foi marcado por muitos problemas, questão que é objeto de apreciação importante por Silva (1999, p.79): “O início dos anos 90 foi profundamente marcado pelo ‘desmanche’ dos instrumentos de política agrícola (garantia de preços mínimos, estoques reguladores, redução do crédito agropecuário) promovido pelo governo Collor, juntamente com a significativa queda nos recursos (gastos) públicos destinados à agricultura (infra-estrutura, pesquisa agropecuária, assistência técnica, etc.). Além disso, houve uma abrupta abertura comercial, que trouxe sérios problemas para a agricultura nacional, na maioria das vezes impossibilitada de competir com produtos internacionais fortemente subsidiados nos seus países de origem. Além disso, a necessidade de controle da inflação tendeu a depreciar os preços mínimos, ao passo que os altos juros reais, típicos dos sucessivos planos econômicos, aumentavam bem mais os custos dos financiamentos, gerando descompassos que tiveram sérias repercussões nas atividades do banco.” Houve um comprometimento da saúde financeira do Banco do Brasil e de muitos produtores manifestado nos anos seguintes, obrigando o presidente Fernando Henrique Cardoso a fazer um aumento no capital social do banco e securitizar as dívidas rurais, como forma de evitar a quebra do Banco e de muitos produtores.
No governo do presidente Itamar não se fez muito em prol da agricultura, mas naquele período o país teve um pouco mais de tranqüilidade, porque além do apoio obtido no Congresso Nacional, a situação econômica dava alguns sinais de melhoria. Não no que se refere à inflação – que continuava escapando do controle – mas principalmente na questão da dívida externa. A economia voltou a crescer, atingindo, em 1994, uma taxa de quase 5%, o melhor resultado desde o início dos anos oitenta, excetuando-se 1986, o ano do plano Cruzado. O governo tinha necessidade de continuar priorizando o combate à inflação e um dos instrumentos utilizados foi a chamada ‘‘âncora verde”, que consistia em manter o câmbio defasado e acentuar os efeitos das importações, empurrando para baixo os preços internos, prejudicando, em contrapartida, os produtores brasileiros. O Banco do Brasil se ressentiu dos efeitos da política desastrosa do governo Collor e continuou sendo prejudicado, pois com os preços mínimos depreciados e as taxas de juros se mantendo altas, aumentavam os custos dos financiamentos, gerando descompassos, o que resultou em um volume excessivo de inadimplência com graves conseqüências para a saúde financeira da instituição.

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