"A violência no campo no Brasil está diretamente vinculada à concentração da terra e do poder. A concentração fundiária no Brasil é uma das maiores do mundo. Menos de 50 mil proprietários rurais possuem áreas superiores a mil hectares e controlam 50% das terras cadastradas. Cerca de 1% dos proprietários detém 46% de todas as terras. Segundo dados do INCRA, existem cerca de 100 milhões de hectares de terras ociosas no Brasil. Ao mesmo tempo, mais de quatro milhões e meio de famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais não possuem terra e vivem num estado de pobreza extrema." (Site Rede Democrática).
É grave a questão fundiária no Brasil e de difícil equacionamento, porque é na grande propriedade rural que se produzem as supersafras de grão e vivem os grandes rebanhos bovinos, indispensáveis para manter o volume de exportação e alimentar a população dos grandes centros urbanos. Os latifundiários, além do poder econômico, sempre detiveram também a força política, razão das dificuldades de se levar à frente um projeto consistente de reforma agrária. Pode-se afirmar que a Constituição brasileira de 1946 foi a primeira que apresentou uma proposta de reforma agrária, vinculando o uso da propriedade ao bem-estar social e prevendo a indenização em dinheiro para as terras desapropriadas. Comenta Strazzacappa (2006, p.38): "É com a Constituição de 1946, promulgada no governo de Eurico Gaspar Dutra, que surgem as primeiras propostas de reforma agrária, condicionando o uso da propriedade ao bem-estar social. Estava assim retomado o princípio da função social da propriedade. Vislumbrava-se a execução de uma reforma agrária, uma vez que essa Constituição dispunha sobre a necessidade de desapropriar terras, atendendo aos interesses sociais. Previa até indenização em dinheiro para as terras desapropriadas."
A reforma agrária prevista na Constituição de 1946 não avançou em sua proposição, pois o governo, aproveitando-se do pretexto da indenização em dinheiro para o pagamento das terras desapropriadas, alegava falta de recursos do Tesouro para realizá-la. A reforma agrária no Brasil é na verdade um enorme desafio. Há os que entendem que é temerário desapropriar uma propriedade produtiva para entregá-la ao pequeno lavrador, sem meios para assegurar o mesmo volume de produção de antes, comprometendo desse modo a economia do país.
Segundo esses entendidos, deve-se encontrar uma solução que concilie a convivência da agricultura comercial ou de exportação com a agricultura familiar ou de subsistência.
E o pior: o tempo passa, os Governos prometem solução para a questão da má distribuição de terras, mas no final tudo fica com antes. Como se vê, vinte e cinco anos depois da morte do líder ambientalista Chico Mendes, fato que teve enorme repercussão na imprensa nacional e internacional, os conflitos do campo, cada dia mais se acirram. Vejamos o que noticiou a respeito a Uol Notícias na data de 22 de dezembro de 2013:
“A pouco mais de 40 km da capital do Acre, Rio Branco, uma área de cinco mil hectares de um antigo seringal em uma região progressivamente tomada pela pecuária representa bem a situação vivida por seringueiros do Estado 25 anos após a morte do líder ambientalista Chico Mendes.
O que sobrou de floresta do seringal Capatará - que chegou a ter 62 mil hectares de mata nativa, mas hoje é principalmente usado como pasto - está localizado a poucos quilômetros de distância da Reserva Extrativista Chico Mendes, uma das maiores unidades de conservação do país.
No Capatará, ao menos 130 famílias vivem um impasse, esperando uma definição sobre se serão obrigadas a sair ou se poderão permanecer na área, agora ocupada por uma grande propriedade rural.”
Os governos militares queriam povoar a Amazônia. Em 1971, no governo do presidente Médici, foi criado o PROTERRA – Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste, como uma tentativa de fazer-se uma reforma agrária através de financiamento com prazo longo e condições favoráveis.
Tentou-se também a implantação de alguns projetos de colonização, chamados de agrovilas, às margens de rodovias federais. Para melhor realçar a matéria, é importante apresentar um comentário sobre as agrovilas do projeto de colonização às margens da Transamazônica, feito por Adas (2004, p.192): "Como projeto de assentamento rural, elas poderiam ter sido bem-sucedidas. Entretanto não apresentaram os resultados esperados, pois enfrentaram uma série de problemas: insuficiência de assistência médica e escolar, dificuldade em escoar a produção e até mesmo despreparo de muitos colonos em trabalhar a terra. Esses fatores desestimularam o desenvolvimento das agrovilas.
Muitos colonos abandonaram suas casas e lotes, alugando-os para migrantes sem terra que chegavam à região." Como se verifica, fracassou essa tentativa de povoamento da região e de reforma agrária, não por culpa do colono, mas por falta de condições necessárias para a sua fixação no local. Frustrado esse propósito, o Governo tomou a iniciativa de incentivar o povoamento da região através da instalação de mega-empreendimentos com muitas facilidades de empréstimos subsidiados, isenção de impostos e outros incentivos fiscais.
Sobre esses empreendimentos, é bom que se analisem as observações de Adas (2004, p.193):
"Estimuladas pelas facilidades oferecidas pelo governo federal (isenção de impostos, empréstimos de dinheiro a longo prazo e a juros baixos, incentivos ficais), grandes empresas começaram a instalar projetos agropecuários na Amazônia: Volkswagem (Companhia Vale do Rio Cristalino, localizada no sul do Pará, abrangendo uma área de 140 mil hectares); a Suiá-Missu (700 mil hectares, área quatro vezes maior do que a Baía de Guanabara), fundada pelo Grupo Ometto (80%) e Ariosto da Riva (20%), vendida posteriormente ao grupo italiano Liquifarm; a Companhia de Desenvolvimento do Araguaia – Codeara (600 mil hectares, de propriedade do Banco de Crédito Nacional, da família Conde); e muitos outros, pertencentes a diversos grupos – Bradesco, Bamerindus, Tamakavy (rede de lojas de Sílvio Santos), Sadia, Camargo Corrêa, Frigorífico Atlas (de que participam empresas alemães), Drury’s Amazônica S.A (norte-americana), Projeto Jarí (1,5 milhão de hectares pertencente durante anos ao milionário norte-americano Daniel Ludwig); Geórgia Pacific (500 mil hectares), Toyomenka (300 mil hectares), etc. São propriedades de dimensões gigantescas, maiores que alguns estados brasileiros e muitos países."
Com esse modelo de povoamento da Região Norte, a expansão da agropecuária resultou no agravamento dos conflitos de terra, fato que é tratado por Adas (2004, p.193):
"A chegada dos grandes projetos agropecuários (e também minerais) na Amazônia representou uma grande destruição do meio ambiente, além de acirrar os conflitos de territorialidade, ou seja, a disputa por territórios. Esses conflitos representam o choque de interesses das partes envolvidas na ‘ocupação’ recente da Amazônia, ou seja, as grandes empresas agropecuárias e minerais, os trabalhadores sem-terra, os pequenos e médios proprietários, os posseiros, os garimpeiros, os indígenas, os grileiros, os seringueiros e os castanheiros."
E foi em razão de políticas equivocadas que a situação, em vez de melhorar, piorou ainda mais. Vejamos o que informa ainda a matéria publicada na UOL Notícias de 22 de dezembro de 2013:
“Mas, se na época de Chico Mendes, jagunços armados faziam o trabalho de retirar os seringueiros, agora os mandados de reintegração de posse são o método mais usado para assegurar a integridade das fazendas.
‘Eu acho que nossa luta hoje está pior do que no tempo de Chico. Os fazendeiros estão mais fortes e dominam todos os órgãos que deveriam defender a causa do trabalhador sem-terra. Nosso movimento (dos trabalhadores rurais) está enfraquecido por as lideranças serem cooptadas pelo governo’, declara José Apolônio, que foi amigo de Chico Mendes e agora é organizador do movimento de resistência das famílias do seringal.
‘Muitas das pessoas que estão aqui já moravam por estas bandas quando tudo era floresta. Seus filhos e netos lutam para ter um pedaço de terra que lhes é de direito. Estas famílias chegaram antes do fazendeiro’, diz.
Resistência:
No início dos anos 1980, Chico Mendes começava na cidade de Xapuri os primeiros movimentos de resistência à ‘invasão’ da floresta pelos ‘paulistas’, como ficaram conhecidos os fazendeiros de outros Estados que emigravam para o Acre.
Semanas após o assassinato de Wilson Pinheiro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade acriana de Brasileia, em 1980, o então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado de Chico Mendes, declarou: ‘a onça vai beber água’.
A declaração foi vista como uma ameaça e rendeu a Lula e a Chico o enquadramento na Lei de Segurança Nacional.
O regime militar brasileiro estava em seus últimos anos, mas ainda tinha força suficiente para manter a ordem. Com o lema ‘uma terra sem homem para homem sem terra’, os militares incentivaram a ocupação do Norte. Os seringais falidos do Acre eram vendidos e transformados em pasto.
Em seu movimento de resistência, a estratégia mais conhecida de Chico Mendes foram os ‘empates’, correntes humanas formadas na frente de homens e máquinas que tinham por missão derrubar as árvores.
A luta de Chico Mendes lhe garantiu prestígio internacional, bem como a conquista de alguns inimigos.
E foi um deles, Darly Alves, o responsável por elaborar o plano da emboscada contra o líder seringueiro. Com a toalha pendurada no ombro, Chico se preparava para tomar banho no banheiro localizado no lado de fora da casa.
Quando apareceu na porta, o tiro de espingarda foi disparado; a bala o atingiu no peito. Ele ainda conseguiu voltar para o interior da casa, onde morreu. O crime chamou a atenção do mundo. Jornalistas de todo os lugares ocuparam a pequena cidade de Xapuri.
Dias depois soube-se que o autor do disparo foi Darci Alves, filho de Darly.
Em extinção
Hoje, o seringueiro é quase uma figura em extinção no Acre. A falência da economia extrativista levou os povos da floresta a investir na agricultura de subsistência e criação de animais, como o próprio gado.
O extrativismo sucumbiu ante a força da pecuária introduzida na região. Dados mais recentes do IBGE apontam que o Acre tem três milhões de cabeça de gado, número quase quatro vezes superior à população do Estado, de 776 mil habitantes.”
O fato é que, sem Reforma Agrária, jamais haverá paz e justiça social no campo. E o pior: os Governos do Partido dos Trabalhadores, que tanto prometeram e tantas esperanças trouxeram aos pequenos produtores rurais, nada fizeram em prol dessa causa tão relevante. Em razão disso, teremos que continuar convivendo com a violência e a injustiça no campo, e, por conseqüência, o êxodo rural, agravando ainda mais a já caótica situação dos grandes centros urbanos.
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