quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

"O SERTANEJO É, ANTES DE TUDO, UM FORTE", VÍTIMA DA SECA E DO DESCASO DO PODER PÚBLICO

           "Acocorada junto às pedras que serviam de trempe, a saia de ramagens entalada entre as coxas, sinhá Vitória soprava o fogo. Uma nuvem de cinza voou dos tições e cobriu-lhe a cara, a fumaça inundou-lhe os olhos, o rosário de contas brancas e azuis desprendeu-se do cabeção e bateu na panela. Sinha Vitória limpou as lágrimas com as costas das mãos, encarquilhou as pálpebras, meteu o rosário no seio e continuou a soprar com vontade, enchendo muito as bochechas." (Vidas Secas de Graciliano Ramos). “Não é o bárbaro que nos ameaça, é a civilização que nos apavora.” (Euclides da Cunha).
           Um dia o grande mestre Euclides da Cunha afirmou que “o sertanejo é, antes de tudo, um forte.” Às vezes, no entanto, a nossa percepção e sensibilidade nos dizem que o sertanejo é acima de tudo um sofredor e injustiçado, que dedica toda a sua vida ao trabalho escravo, em terras alheias, expondo-se ao risco de plantar sem a certeza da colheita, e ainda sem nenhuma garantia de cobertura dos prejuízos em caso de perda da safra.

           O mestre Euclides da Cunha, acertou, no entanto, quando disse que “há mais de um mês que me agito e trabalho – de graça – num país em que se inventam os empregos para a vadiagem remunerada.” E tem mais - muito embora muitas pessoas falem mal do Regime Militar -, foram os Militares que mais fizeram até hoje pelos trabalhadores rurais. Sem os benefícios de uma aposentadoria especial, que garante a sobrevivência de milhares de família, e de outros benefícios como os do Bolsa Família, a maioria dos sertanejos já teria morrido de fome e de sede.

           E a verdade precisa ser dita. No bojo das preocupações dos militares no tocante às questões relativas ao campo, a que teve maior alcance social foi, sem dúvida, o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), instituído pela Lei Complementar nº 11, de 25.05.1971, que consistia na prestação dos seguintes benefícios: aposentadoria por velhice; aposentadoria por invalidez; pensão; auxílio-funeral; serviço de saúde; serviço social. Nada era mais degradante de que a situação do trabalhador rural no Brasil antes da aludida Lei, tendo em vista que trabalhava até quando a saúde permitia e, depois, na velhice, quando mais carecia de meios de sobrevivência, ficava na dependência de parentes que, quase sempre, não dispunham de condições para lhe proporcionar uma existência digna.

           É verdade que, de início, o benefício era de apenas metade do que se paga atualmente, mas foi partindo desse ponto que a sociedade foi tomando consciência da importância da medida e, graças às pressões dos movimentos sociais, o trabalhador rural adquiriu a condição de segurado especial, fato consagrado na Constituição de 1988, tendo, doravante, pelo menos, o necessário para sobreviver em caso de doença e na velhice, quando não mais pode trabalhar. Neste País, nenhuma medida tomada até os dias atuais teve maior alcance social do que o PRORURAL.

           É louvável a sensibilidade que teve o Constituinte de 1988 ao inserir na Constituição dispositivo que deu ao trabalhador rural essa condição de segurado especial, proporcionando a milhares de idosos e inválidos, que foram trabalhadores rurais, condições para viverem com relativa dignidade, em função de benefícios que percebem da Previdência Social.

           A falta de uma legislação trabalhista que amparasse o trabalhador rural foi sem dúvida uma das maiores injustiças corrigidas pelos governos militares, o que, por razões diversas, não encontrou guarida em nenhum outro governo, nem mesmo no de Getúlio Vargas, que se intitulou como “o pai dos pobres”. Em razão disso, o problema perdurou por muito tempo, mesmo depois de ter sido instituída para o trabalhador urbano. Esse problema, mesmo que com algumas incoerências em relação ao que dispõe a CLT, acabou sendo regulamentado pela Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, e o Decreto nº 73.626, de 12 de fevereiro de 1974.

           Não era concebível que uma classe tão importante no contexto social do país ficasse eternamente esquecida e desamparada, sendo espoliada pelos latifundiários, como se verificou ao longo de vários séculos. E é graças a benefícios como esses que muitos brasileiros pobres ainda sobrevivem. Para melhor ilustrar a situação do nordestino, vejamos o que encontramos no site www.expressomt.com.br:

           “O município de Itaíba fica em uma bacia leiteira do agreste de Pernambuco. Essa era uma das áreas mais prósperas do Estado, mas a seca atingiu duramente a região. No local, havia 2,4 milhões de bois e vacas. Mas o rebanho ficou reduzido à metade. A produção de leite e a fabricação de queijo também despencaram. Uma cooperativa da região processava 280 mil litros de leite por dia. Hoje, o lugar recebe 80 mil litros. Metade das vacas leiteiras do criador José Gomes morreu. Na propriedade, restaram 16 animais.

           O leite que ele leva para a cooperativa mal dá para cobrir as despesas. ‘Eu acho que vale a pena porque não tem outra solução, não tem emprego, não tem nada’, diz. No desespero da seca, a saída que muitos agricultores encontraram foi levar o rebanho para os Estados do Maranhão e do Pará. Mais de 20 mil animais foram retirados às pressas de Itaíba. Eles seriam e retornariam à cidade assim que chovesse, mas na região são três anos seguidos de chuvas abaixo da média e de currais vazios. O criador José Lopes, que mandou 18 vacas para o Pará, ficou com um touro e um bezerro na esperança de recuperar o rebanho. A realidade foi mais dura do esperado. Ele teve muito prejuízo e precisou vender até o reprodutor. ‘Vendi para me alimentar. O gado que foi embora não dá mais pra trazer não’, lamenta.
           Os dois anos seguidos de estiagem têm castigado o Ceará. Não há pasto nem água. Sobrou apenas solo rachado. Mais de cem mil animais morreram este ano. As fontes de água estão cada vez mais escassas. O açude Sousa, por exemplo, um dos maiores do sertão central cearense, abastecia o município de Canindé e era usado para irrigação. Agora, com menos de 1% da capacidade, serve apenas para matar a sede de uns poucos animais. De uma forma geral, a situação dos açudes é crítica em quase todo o Nordeste. Sergipe é o único Estado com água nos reservatórios acima da metade da capacidade. O volume é de 60%. No Maranhão, é de 48%. Alagoas, Rio Grande do Norte e Piauí estão com 40% da capacidade. Na Bahia, Paraíba e Ceará, registra 30%.

           A pior situação é a de Pernambuco, que está com apenas 25% da capacidade de armazenamento de água. A família da agricultora Lúcia Souza da Silva, do município de Canindé, ainda não tem cisterna para armazenar água. Por isso, nem o carro-pipa passa pelo lugar. As cisternas de polietileno, que chegaram em junho, ainda não foram instaladas. A única água disponível chega no lombo dos jumentos em uma viagem cansativa, de dez quilômetros, feita todos os dias. O líquido amarelado fica armazenado em potes. Aos 76 anos, a aposentada Maria Lindalva dos Santos utiliza essa água inclusive para beber e cozinhar. A seca deixou 1.332 municípios nordestinos em situação de emergência. O número equivale a 74% da região.”

           Esse relato, apesar de dramático, ainda diz muito pouco a respeito do sofrimento do sertanejo. Como tivemos a oportunidade de assistir pelo Fantástico de 1º. de dezembro de 2013, a transposição das águas do Rio São Francisco é hoje, acima de tudo, uma questão de humanidade. Não é possível que fiquemos calados diante de tanto desrespeito para com os nossos irmãos sertanejos, pessoas carentes e sofridos, que vivem à míngua de tudo, inclusive sem água sequer para beber.

           Enquanto isso, bilhões de reais já foram gastos nas obras de transposição das águas Rio Francisco, um trabalho que, por razões que desconhecemos, nunca termina. É triste o que ouvimos através do Fantástico. Senão vejamos:

         “Encontramos tanques imundos, água contaminada e entregas que não chegam nunca.” Como se vê, além do descaso do Governo para com aquele povo sofrido, ainda existem os inescrupulosos, que se aproveitam da miséria alheia, vendendo água contaminada e ainda desviando dinheiro público. Falou ainda o Fantástico: “No meio do agreste nordestino, perto de um rio seco, e de famílias que sofrem com a falta d’água, um tanque de combustíveis está à venda. O preço: R$ 20 mil. ‘Se for dinheiro, dá pra baixar. Botar em R$ 17 mil, R$ 18’, diz o vendedor. Até um ano atrás, o tanque era usado para estocar álcool e gasolina. A lei manda que um tanque desses, quando esgota sua vida útil, seja incinerado, destruído. Não pode transportar mais nada. Mas dois homens dizem que dá pra carregar água tranquilamente.”

           Isso que se vê é crime, que precisa ser apurado, para que os responsáveis sejam devidamente punidos. A dúvida é saber se de fato alguma providência será tomada por parte das autoridades competentes. Como, infelizmente, vivemos num país de faz de conta, temos as nossas dúvidas a respeito. A transposição das águas do Rio São Francisco não resolve por completo os problemas de abastecimento de água do semiárido nordestino, mas com certeza amenizaria muito o sofrimento de milhões de família. Infelizmente, as obras de transposição, apesar da indiscutível relevância, nunca foram de fato nenhuma prioridade deste Governo.
Por entendermos que a transposição das águas do Rio São Francisco é uma necessidade inquestionável e por tudo mais que acabamos de mostrar, inclusive com base no relato do Fantástico de 1º. de dezembro de 2013, e considerando ainda que não há mais como haver recuo nas obras do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, só resta nos unirmos em prol dessa causa e pugnarmos por providências do Governo no sentido de concluí-las o quanto antes, já que o mais razoável é que o Governo encare esse projeto como prioridade, uma vez que dele depende um grande contingente populacional, historicamente relegado a um plano secundário, vítima de todo tipo de mazela, inclusive da discriminação de outras regiões do país, que sempre viram os nordestinos como parasitas das riquezas produzidas no Sul e Sudeste do Brasil.


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