domingo, 9 de janeiro de 2022

ANALFABETOS E MENORES VOTAVAM ANTES DA CONSTITUIÇÃO DE 1988, MESMO SEM AMPARO LEGAL.

  


         Antes da Constituição de 1988, aqui no Brasil, nem analfabetos nem menores de idade tinham direito a votar. Só que, mesmo sem previsão constitucional, ambos votavam sim. Vou explicar como essa burla ao regramento constitucional funcionava. No caso dos analfabetos, que eram muitos, os cabos eleitorais arregimentavam-nos e ensinavam-nos a “desenharem os nomes”. Uso a palavra desenhar, considerando que eles não ensinavam a pessoa a escrever o nome, mas a “memorizar” as letras do nome. Como isso acontecia: os cabos eleitorais entregavam às pessoas escolhidas uma tira de papel com os nomes delas escritos em letras maiúsculas, um lápis e um caderno e mandavam que elas olhassem para os nomes escritos nas tiras de papel e ficassem copiando no caderno até terem condições de reproduzir as assinaturas sozinhas, sem a necessidade de ajuda da matriz escrita que receberam. Quando a pessoa já escrevia o nome sem a ajuda da tira de papel, era levada ao cartório para obter o título de eleitor, como se já fosse alfabetizada.


        Quanto aos menores, como os pobres e analfabetos daquela época, em regra, não possuíam certidões de nascimento nem qualquer outro documento, os cabos eleitorais conseguiam certidões de nascimento com as datas que lhes interessavam ou lhes convinham. Muitas vezes eles aumentavam as idades dos menores para que eles alcançassem a maioridade para votarem em determinadas eleições e nos candidatos de preferência do cabo eleitoral, claro.

        

        Falo a respeito desses assuntos com total conhecimento de causa, tendo em vista que a minha mãe, que é analfabeta, aprendeu a desenhar o nome na tirinha de papel e teve a idade aumentada em mais de um ano. Ela nasceu em 16 de janeiro de 1933 e consta nos documentos dela como se tivesse nascido em 15 de janeiro de 1932.

 

        O mais interessante dessa história toda é que os eleitores que conseguiam os títulos de eleitores naquelas condições ficavam eternamente gratos e fiéis aos cabos eleitorais que haviam lhes “dados os títulos”, como eles diziam. A fidelidade era tanta que daquele momento em diante só votavam nos candidatos que aqueles indicavam. E quando as eleições se aproximavam, caso os cabos eleitorais não os procurassem, os próprios eleitores iam à procura daqueles para receberam as chapas com os nomes dos candidatos nos quais iriam votar e as devidas orientações de como procederem no dia das eleições.

 

        Naquela época nas chapas de Presidente da República – menos no período do Regime Militar, quando não houve eleições para Presidente – de Governadores, Senadores e Prefeitos traziam os nomes dos candidatos com uns quadrinhos ao lado para o eleitor assinalar com um “X” o candidato escolhido. Os eleitores a que me referi já levavam as chapas com os nomes dos candidatos assinalados pelos próprios cabos eleitorais. Levavam também as chapas com os números dos candidatos a vereadores e deputados estaduais e federais para porem nas urnas. Não havia erro. Sem falar que em regra aqueles eleitores eram conduzidos às seções eleitorais pelos próprios candidatos ou por um cabo eleitoral de
confiança daqueles.

 

        E assim as escolhas dos nossos representantes foram feitas por muitos e muitos anos.