Muito
embora tenhamos opinião formada sobre essa matéria, entendemos que não
seria oportuno externá-la aqui, considerando que em nada iríamos
contribuir para a solução do impasse, uma vez que a demanda se encontra
no Supremo Tribunal Federal, a instância máxima da Justiça brasileira.
De
certo temos que antes
da atual Constituição, muito se comentava sobre os supersalários de
alguns servidores
públicos. Fernando Collor de Melo, quando assumiu o Governo de Alagoas,
antes
da candidatura para presidente da República, ironizava com os servidores
que
recebiam altos salários, criando, inclusive, a figura do “Marajá”, em
referência àqueles que obtinham altas remunerações. E foi com a bandeira
de
acabar com os “Marajás” que criou a imagem de um administrador sério,
íntegro e
comprometido com boas práticas de gestão. Ao final, todos sabemos no que
deu. O fato é que na vigência da atual Constituição, há um teto máximo
de remuneração previsto no art. 37, inciso XI. Senão vejamos:
Art. 37. A administração pública
direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e
empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos
membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes
políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos
cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra
natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do
Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio
do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do
Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e
Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do
Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por
cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal
Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério
Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;
(...)
Aqui no Brasil, no entanto, a Lei nem sempre é aplicada ao pé da letra. E a prova é que o Ministro Marco Aurélio, que por coincidência ainda é parente do ex-presidente Collor, em decisão liminar decidiu manter os supersalários dos servidores do Congresso Nacional, que há algum tempo tinham sido questionados pelo Tribunal de Contas da União – TCU. Vejamos, a seguir a notícia encontrada hoje, 26 de fevereiro de 2014, no site da Uol Notícias Políticas:
"O artigo abaixo, escrito pelo ministro
Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, é uma prévia do novo canal de
Opinião do UOL, que estreia em março
A regra é clara: ninguém pode ganhar, no serviço público, mais do que o subsídio mensal, em espécie, dos ministros do Supremo Tribunal Federal. A abrangência do teto constitucional alcança remuneração — subsídio, proventos, pensões e outras espécies remuneratórias dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, inclusive dos detentores de mandato eletivo e demais agentes políticos, percebidos isolada ou cumulativamente. Em outras palavras, observado o tratamento igualitário, o teto impõe-se a todos.
Mas nada é tão simples como parece. A astúcia do homem e o abandono da ética implicam vergonhoso drible.
As formas vão do empréstimo da natureza indenizatória a certas parcelas ao desdobramento do contracheque que, de peridiocidade mensal, vejam só a criatividade, passa a ser de peridiocidade quinzenal.
Então, com desprezo total à lei das leis, à Carta Federal, revela-se o país do faz de conta. A situação, pasmem, mostra-se hoje generalizada.
O Supremo Tribunal Federal é o guarda maior da Constituição e esta, presente o estado de direito, encerra um grande todo que tem como medula a velha máxima que os meios justificam os fins, e não o contrário, sob pena de, acionado o justiçamento, haver retrocesso, e não avanço cultural.
A momentosa matéria dos supersalários praticados, à larga, nas duas casas do Congresso, deve ser analisada sem paixões. Nas auditorias no Tribunal de Contas da União, os beneficiários não tiveram espaço para defenderem-se.
Os pronunciamentos sinalizaram que Câmara dos Deputados e Senado viabilizariam a audição, cumprindo-se o mandamento constitucional: o detentor de situação constituída possui o direito ao devido processo administrativo. Essa é a regra inafastável, pouco importando a clareza, aparente e unilateral, do quadro.
O desgaste das casas legislativas é notório. No afã de recuperar prestígio, em menosprezo à comezinha regra do contraditório, atropelou-se, dando-se esperança vã, infrutífera, portanto, à cansada sociedade.
Sob o ângulo do direito de defesa, a questão chegou à última trincheira da cidadania, onde não cabe visão passional, extremada. Ao deferir, em mandados de segurança, as liminares, consignei que o fazia sem prejuízo da instauração dos processos administrativos, sumários e individuais.
Verificada, na seara própria, a ilegitimidade de pagamentos, por sinal, satisfeitos há anos, aí sim, a suspensão imediata será de ocorrência natural e, mais, a devolução do que recebido nos últimos cinco anos, procedendo-se aos descontos nos vencimentos, proventos e pensões — obedecido o limite mensal, tudo conforme previsto na Lei nº 8.112/1990. Como dizer do prejuízo ao poder público? A relação jurídica continuada possibilita os descontos.
Paga-se
um preço por viver em uma democracia e é módico, estando ao alcance de todos: o
respeito irrestrito ao arcabouço normativo, às leis. Fora isso, instaura-se a
desordem, a afronta à Constituição Federal. Conserte-se o Brasil, afastando-se
as mazelas que o emperram, mas não se jogue para a plateia, muito menos
adjetivando a visão do Supremo. A absurdez tem outro endereço.
*Marco Aurélio Mendes de Farias Mello é ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral"
Seja como for, enquanto cidadãos, que vivemos de um modo ou de outro, a depender das decisões da nossa Justiça, muitas vezes contraditórias, precisamos ficar atentos, e mostrar a nossa opinião, para que os nossos julgadores, pelo menos, saibam que não somos ingênuos para engolir calados tudo que nos é empurrado de goela abaixo.
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