“Em um caso julgado hoje (9), véspera
do Dia das Mães, pela 13ª Vara do Trabalho de Brasília, a Justiça do Trabalho
concedeu licença maternidade para a companheira de uma mulher que gerou
trigêmeos. A sentença é da juíza Ana Beatriz Cid Ornelas que reconheceu a dupla
maternidade. Com a decisão as duas mães poderão ficar em casa pelos 120 dias
previstos em lei, prorrogáveis por mais 60 dias, para cuidar das crianças.
Nos autos ficou provado que as
mulheres constituíram uma entidade familiar baseada na afetividade, na
comunhão de vida e na assistência mútua, emocional e prática. E dessa união,
formalmente reconhecida, nasceram três bebês, registrados em nome do casal.
Assim, apesar de formarem uma família, com estrutura diferenciada, merecem a
proteção do Estado.
Para a juíza Ana Beatriz, é preciso
reconhecer a existência de um núcleo familiar com duas mães, ‘pois não se pode
crer que a filiação materna seja única e precise advir exclusivamente do parto’.
Segundo ela, se existem novos modelos familiares, estes devem ser dignos de
tutela do Estado.
Ainda de acordo com a magistrada, o
período de licença maternidade é único e insubstituível. ‘Trata-se de um
benefício conquistado por diversas nações ao longo dos tempos e é essencial
para a formação e fortalecimento do vínculo materno, para garantia da
amamentação regular e para assegurar o desenvolvimento e o equilíbrio psico
emocional da criança’.
Dessa forma, considerando que a
família é a base da sociedade e é de absoluta prioridade preservar e garantir
os direitos dos menores foi confirmada a antecipação de tutela, antes deferida,
e reconhecida a dupla maternidade.
Novas formações
familiares
Na opinião da presidente da Amatra10
(Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 10ª Região), juíza Noêmia
Porto, é preciso deixar um pouco de lado os conceitos tradicionais e avançar
ainda mais sobre a questão. ‘A despeito do avanço que tivemos com a
Constituição Federal de 1988 em questões de gênero, ela manteve esquemas
altamente tradicionais. A licença-maternidade, por exemplo, foi atribuída às
mulheres e a licença-paternidade aos homens. Isso traz como pano de fundo uma
questão de preconceito de gênero’, avalia.
Em alguns países europeus, inclusive,
esse benefício da licença já é compartilhado e decidido pelo próprio casal,
seja homossexual ou heterossexual. ‘Ao invés de nós designarmos restritivamente
uma licença-maternidade ou uma licença-paternidade, a ideia é de que um
casal, de mulheres ou de homens, tenha direito de decidir como usufruir essa
licença. Isso haveria de ser uma decisão responsável do casal e não uma decisão
pré-definida do estado’, explica a magistrada.
Segundo Noêmia Porto, o mundo mudou e
o Judiciário tem respondido a essas mudanças. ‘Os juízes não decidem mais
baseados apenas em textos legais em sentido estrito. Os juízes podem decidir
baseados em princípios constitucionais. E o princípio da igualdade, por
exemplo, pode orientar decisões como essas recentes, que a despeito da nomenclatura,
focam naquilo que o benefício significa na prática’, pontua.
O vice-presidente do TRT da 10ª
Região, desembargador Pedro Foltran, concorda com a juíza Noêmia. Diante da
ausência de leis específicas sobre a licença maternidade, a justiça acaba tendo
que construir novas jurisprudências a partir das demandas que chegam ao
judiciário, afirma o desembargador, para quem a base de todas as decisões
judiciais, nesses casos, deve ser a Constituição Federal de 1988. A Carta
Magna, diz ele, garante os direitos fundamentais das crianças.
Equiparação
Para o advogado do caso julgado hoje
pela 13ª Vara do Trabalho de Brasília, Marcus Tulius, em se tratando de uma
nova forma de família, composta por duas mães, ambas têm direito à maternidade,
independente de quem é a genitora ou não. ‘Não se pode negar esse direito
concedido pela Constituição Federal. Com base nisso, que solicitamos a
concessão de licença-maternidade para ambas. Uma já é legal, por ser gestante e
tem por lei o seu direito contemplado. A outra não tinha previsão legal. Aí
pedimos a equiparação do mesmo direito. O empregador não poderia ter dado a
licença-paternidade, porque ela é mãe. Há um preconceito’, critica.
Adriana Nunes, advogada integrante do
Instituto Brasileiro de Direito de Família, defende mudanças na legislação para
atender essas novas formações familiares. “Por exemplo, no caso dos casais
homossexuais do sexo masculino, a legislação precisa urgentemente ser revista,
porque os dois só têm direito a cinco dias de licença. Precisamos caminhar
muito ainda para estender esses direitos, por causa da organização dessas novas
famílias. O direito precisa avançar, com base na jurisprudência. Esses casais
sempre existiram, mas eram uniões informais. Agora estamos formalizando isso,
dando direitos. Além disso, o conceito de mãe está mudando”, conclui.
Acompanhe aqui, no site do TRT10,
durante todo este fim de semana, o desdobramento do assunto, na matéria
especial do Dia das Mães “As novas famílias e a Justiça do Trabalho”. Amanhã,
será publicada uma matéria de TV, que conta um pouco mais sobre o caso das mães
dos trigêmeos. No domingo, uma entrevista com o vice-presidente do TRT10,
desembargador Pedro Foltran, ele afirma que diante da ausência de leis
específicas sobre a licença maternidade, a justiça acaba tendo que construir
novas jurisprudências a partir das demandas que chegam ao judiciário.”
Essa decisão é o que podemos chamar
de inovadora no Direito brasileiro. São julgamentos como esses que dão ensejos
para que outros magistrados sigam a mesma linha de pensamento, obrigando a que
no futuro os nossos legisladores igualmente inovem criando leis que tutelem
situações semelhantes.
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