O direito à igualdade e o direito à liberdade encontram-se previstos em todas as declarações de direitos espalhadas pelo mundo, sendo assegurados a todos os cidadãos, sem exceção, nos termos da lei.
A Magna Carta Libertatum, emanada do Rei João Sem Terra, em 1215, no entanto, foi a primeira que trouxe expressamente esses direitos. Segundo Gustavo Henrique Schneider Nunes, no artigo intitulado “O direito à liberdade de expressão e o direito à imagem”, publicado na internet, no site Jus Navigandi, “A Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, datada de 12 de janeiro de 1776, influenciada pelos escritos de Hobbes, Locke, Rousseau e Montesquieu, foi a primeira declaração de direitos fundamentais, em sentido moderno.
Ela consubstanciava, dentre outros direitos, que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes.”
Segundo ainda colhemos do artigo acima referido, “Pouco tempo depois, em 17 de setembro de 1787, a Constituição dos Estados Unidos da América foi aprovada pela Convenção de Filadélfia, sendo que em 1791 foram inseridas as dez primeiras Emendas, assegurando-se, dentre outros direitos fundamentais: a liberdade de religião e culto, de palavra, de imprensa, de reunião pacífica e direito de petição (Emenda 1ª), e a proibição da escravatura e servidão involuntária (Emenda 13ª)”.
Por sua vez, em 1789, a França brindou o mundo com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que diferentemente das declarações norte-americanas, apesar de também ter sido influenciada pelos ideais contratualistas, não estava preocupada com a situação concreta que afligia a comunidade local. Ao contrário, era abstrata e universalizante, eis que marcada pelo intelectualismo, mundialismo e individualismo. Por essa razão é considerada o documento marcante do Estado Liberal, que norteou várias Constituições que lhe sucederam mundo afora, tendo, inclusive, influenciado a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948.
Traço comum de todas as declarações de direitos mencionadas é o entendimento de que o homem deixou de ser confundido com o Estado, tornando-se um sujeito de direitos, inclusive em relação ao próprio Estado.
Segundo ainda Gustavo Henrique Schneider Nunes, “... durante o desenvolvimento do processo histórico a liberdade passou a ser contemplada como direito fundamental do homem, baseando-se em dois aspectos: a ausência de constrangimento e a autonomia (ou autogoverno). Esses dois aspectos tratam-se da liberdade negativa e da liberdade positiva.”
Segundo ele, “a liberdade negativa impõe ao Estado a obrigação de não praticar atos capazes de interferir em determinada esfera individual. Aqui o ser humano age de acordo com seu livre-arbítrio.
O apóstolo Paulo, ao expandir os ideais do Cristianismo na antiguidade, foi quem sustentou pela primeira vez este posicionamento. Contudo, essa visão é questionada por autores racionalistas. Para eles, não é a possibilidade que o homem tem de agir de acordo com as suas paixões que o torna livre. É através de juízos racionais que o ser humano se liberta dos interesses e paixões que têm. É justamente por isso que o ser humano detém a capacidade de se autoconter, de forma a sobrepor a razão à vontade.”
A liberdade positiva, por sua vez, refere-se à possibilidade de o indivíduo poder participar ativamente do processo de tomada de decisões na sociedade na qual se encontra inserido. E assim é porque, se todos os homens são livres e iguais, somente por intermédio de uma regra de conduta socialmente estabelecida através da participação de todos é que se poderá estabelecer uma regra de conduta a todos.
Não é possível perdermos de vista ainda que a noção de liberdade é demasiadamente ampla, em razão disso, deve ser entendida como um ideal a ser seguido pelos legisladores e operadores do Direito.
E é por ser o direito à liberdade extremamente amplo, não consistindo tão somente no direito de ir e vir, amparado por habeas corpus, que o cidadão também tem direito à liberdade de expressão, de culto, credo ou religião, de profissão, de desenvolver atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, dentre outros. Para Pedro Frederico Caldas, no seu livro vida privada, liberdade de imprensa e dano moral, São Paulo: Saraiva, 1997, p. 64, “Ser livre comporta dimensão física (poder ir, vir, ficar, fazer, não fazer) e dimensão moral, ou liberdade psicológica (de pensamento, de crença, de expressão oral ou verbal).”
Por sua vez, Celso Ribeiro Bastos, no curso de direito constitucional, São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p. 329, esclarece que “a liberdade de expressão é tida como um dos direitos mais fundamentais dentre todos os direitos fundamentais. Talvez por isso mesmo seja uma das que maior número de problemas levante.”
De fato tem razão Celso Ribeiro Bastos, tanto que nos últimos dias, em razão de declarações de Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Roberto Carlos e outras pessoas famosas, que não concordam com a publicação de biografias não autorizadas, muito se tem comentado a respeito desse tema. Muitos criticam a posição daqueles que noutros tempos defendiam a liberdade de expressão, e hoje, segundo entendem, são contra a publicação de biografias sem a prévia autorização do biografado. Essa matéria de fato é polêmica, por isso precisa ser bem analisada para que tiremos a nossa conclusão, o que não quer dizer que não existam respeitáveis opiniões em contrário.
A Constituição brasileira, no seu art. 5º, inciso IV afirma que “é livre a manifestação de pensamento, vedado o anonimato.” Acrescenta ainda o inciso IX do art. 5º da Constituição Federal que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.” Ressalte-se ainda que segundo a DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS SOBRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, aprovada no seu 108º período ordinário de sessões, celebrado de 16 a 27 de outubro de 2000, “A liberdade de expressão, em todas as suas formas e manifestações, é um direito fundamental e inalienável, inerente a todas as pessoas. É, ademais, um requisito indispensável para a própria existência de uma sociedade democrática.”
Como se vê, a liberdade de expressão é um direito fundamental. Por outro lado, não podemos perder de vista que o inciso X do mesmo artigo 5º. da Constituição Federal assegura o direito a inviolabilidade da intimidade, quando diz que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Em assim sendo, estabelece-se aí um conflito de direitos fundamentais, uma vez que, se por um lado a Constituição assegura a liberdade de expressão, por outro garante a todos a inviolabilidade da intimidade e da vida privada.
Quanto à liberdade de expressão, a DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS SOBRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO da Comissão Interamericana de Direitos Humanos afirma ainda que “Toda pessoa tem o direito de buscar, receber e divulgar informação e opiniões livremente, nos termos estipulados no Artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Todas as pessoas devem contar com igualdade de oportunidades para receber, buscar e divulgar informação por qualquer meio de comunicação, sem discriminação por nenhum motivo, inclusive os de raça, cor, religião, sexo, idioma, opiniões políticas ou de qualquer outra índole, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.”
O art. 20 do Código Civil Brasileiro, por sua vez, estabelece que “salvo se autorizadas, ou se necessárias a administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”
E segundo entendo, a Lei não faz nenhum distinção entre pessoas comuns e pessoas famosas, como querem fazer crer alguns repórteres e comentaristas de jornais. Os atos de gestão de um homem público, por sua vez, diferentemente do direito a intimidade, precisam ser divulgados. Não restam dúvidas de que todos os atos de gestão de um administrador público no desempenho das suas funções necessitam ser do conhecimento de todos os cidadãos, não podendo, nesse caso, sofrer nenhuma restrição quanto à divulgação.
Infelizmente, nem sempre as pessoas procuram dar aos dispositivos constitucionais e legais, a melhor interpretação e aí, segundo Pedro Gabriel Lanza Reis, “tem muita gente confundindo liberdade de expressão com falta de respeito.” E, no meu entender, a Constituição Federal, muito embora seja clara quanto à liberdade de expressão, estabelece um limite, qual seja, o direito a intimidade e a vida privada das pessoas, na conformidade do que se encontra previsto nos artigos 20 e 21 do Código Civil.
Quanto ao direito à vida privada das pessoas, o art. 21 do Código Civil esclarece que “a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”
Comentando o art. 21 do Código Civil, o ex-Ministro do STF, Cezar Peluso, no Código Civil Comentado, 4. Ed. Barueri, Manole, 2010, p. 42 e 43, esclarece que o “Corolário de regra constitucional (art. 5º, X, da CF/88), é vedada a intromissão de estranhos na vida privada. Trata-se de obrigação de não fazer decorrente da lei e cujo descumprimento pode ser coibido mediante provimento jurisprudencial de natureza cominatória.”
CONCLUSÃO:
Em assim sendo, o direito à liberdade de expressão, por mais essencial que seja para a boa saúde da democracia, assim como qualquer outro direito fundamental, não pode e não deve ser considerado absoluto. E como mostrado, colide com o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, inclusive em relação às pessoas públicas (artistas, desportistas famosos, celebridades e políticos), ressalvados os casos previstos em lei, podendo encontrar o seu limite em virtude da aplicação prática do princípio da proporcionalidade.
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