"Essa dor doeu mais forte
Por que é que eu deixei o norte
Eu me pus a me dizer
Lá a seca castigava, mas o pouco que eu plantava
Tinha direito a comer
Tá vendo aquela igreja moço, onde o padre diz amém
Pus o sino e o badalo, enchi minha mão de calo
Lá eu trabalhei também
Lá foi que valeu a pena, tem quermesse, tem novena
E o padre me deixa entrar
Foi lá que Cristo me disse:
"Rapaz deixe de tolice, não se deixe amendrontar
Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio, fiz a serra, não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asas e na maioria das casas
Eu também não posso entrar"
(Zé Ramalho)
Não deixa de ser contraditório o que vem ocorrendo hoje com o agronegócio no Brasil, uma vez que - se por um lado é uma atividade próspera, que gera divisas e ajuda na economia -, por outro lado, emprega cada vez menos e exclui pequenos produtores e trabalhadores rurais do campo, que retirados do seu habitat natural, não encontram na cidade, emprego e lugar decente e digno para morar.
Com o emprego de alta tecnologia nas atividades do campo, consegue o produtor rural obter supersafras de grãos com o emprego mínimo de mão de obra. Com isso há um barateamento da produção que lhe assegura condições para competir com os preços do mercado internacional.
Por outro lado, retira do campo um grande número de trabalhadores rurais e pequenos agricultores que são expulsos para ceder espaço para os grandes latifúndios. Essas pessoas expulsas do meio rural migram para as cidades, piorando o inchaço dos grandes centros urbanos e acentuando ainda mais a violência urbana. E isso é o que tem acontecido no Brasil a partir da década de setenta, quando se iniciou o processo de modernidade da agricultura.
Em razão disso, a corrente que considera ser o agronegócio muito importante para a economia brasileira não é unânime, pois há quem entenda que esse modelo que privilegia a agricultura empresarial é ultrapassado e não atende aos interesses do povo brasileiro. Sobre essa posição, comenta Stédile (2005, p.02):
“Porque o modelo agrícola do agronegócio é organizado para produzir dólares, e produtos que interessam aos europeus, os asiáticos, não aos brasileiros. E por isso não produz comida, empregos e justiça social. O agronegócio concentra. Leva para fora as riquezas produzidas aqui, em vez de distribuí-las.”
Na visão dessa corrente, não haverá progresso na atividade rural, enquanto não se fizer uma reforma agrária, porque sem isso não há modernidade no campo. Segundo a mesma fonte:
“Se o Brasil quiser resolver os problemas de emprego, pobreza no meio rural e desigualdade social, certamente não será pelo caminho do agronegócio. Será pela reforma agrária, que é a democratização da propriedade da terra. Pela organização da produção agrícola através da agricultura familiar, e orientando a produção para alimentos destinados ao mercado interno, para o povo. Se todo o povo brasileiro tivesse renda para se alimentar direito, haveria uma demanda nacional infinitamente superior ao que hoje é exportado.
A solução é dar condições para o povo comprar comida. (STÉDILE, 2005, p.04).”
Stédile, como líder do MST, não pode defender um modelo de política para o campo que não privilegie a reforma agrária. Por outro lado, no entanto, tem-se que considerar que as questões por ele defendidas não podem ser descartadas, porque muito embora ninguém possa negar ser importante para a economia do país o grande volume de exportação advinda do agronegócio, a ninguém passa despercebido que o governo prioriza demais a agricultura empresarial, em razão tão somente da necessidade de obtenção de superávit na balança comercial, indispensável para o equilíbrio das contas externas.
Ao longo da história, o Brasil fez agricultura de exportação, em que a necessidade de divisas sempre obrigou o governo a priorizar esse tipo de produção em detrimento da agricultura de subsistência e da produção para o mercado interno. O Brasil não deve desprezar o agronegócio para o mercado externo, mas é hora de encontrar um meio termo, de forma a equilibrar as políticas agrícolas, visto que há uma necessidade urgente de erradicar, de uma vez por todas, o problema da fome na sociedade. O que é absolutamente inconcebível é ocupar a terceira posição entre os maiores produtores de alimento do planeta e ter milhões de pessoas sem ter o que comer. Espera-se que o atual governo equacione essa delicada questão, que muito envergonha o país.
A agricultura de exportação emprega pouco, vez que utiliza tecnologia de ponta, concorrendo para a redução de mão-de-obra e o conseqüente êxodo rural, conforme explica José Graciano da Silva (1999, p.89):
“O lado perverso do desenvolvimento da agricultura, também marcada pela competição desenfreada, refere-se ao fato de que, ao se conseguirem grandes produções (supersafras) via aumento da produtividade (da terra e do trabalho), muitos agricultores, principalmente os pequenos, e os trabalhadores rurais acabam sendo excluídos do processo produtivo e encontram enormes dificuldades para serem reabsorvidos pelo mercado de trabalho, seja rural, seja urbano.”
A agricultura de exportação tem a sua importância porque gera divisas para o país; por outro lado, ocupa grandes áreas de terras produtivas e nem sempre absorve muita mão-de-obra. A soja, por exemplo, ocupa hoje em torno de 30% (trinta por cento) de toda a área plantada no Brasil, no entanto, responde por menos de 6% da demanda de mão-de-obra agrícola, ficando muito atrás do milho, do café, do feijão, da mandioca, da cana-de-açúcar e do arroz.
Muito embora sejam inegáveis os investimentos na atividade agropecuária, de 1970 - quando efetivamente se acelerou o processo de modernização da atividade rural no Brasil, aos dias atuais -, houve um acentuado crescimento do êxodo rural, dados significativos que demonstram a grande dificuldade de fixar o homem no campo, como se verifica pelas informações de Vesentini (2001, p.191):
“De 1970 a 2000, ocorreu diminuição da população rural tanto relativa (44% para 18,8% do total), como absoluta (de 41,1 milhões para 31,8 milhões). Nas décadas anteriores já vinha ocorrendo declínio da proporção dos habitantes do campo em relação aos das cidades. No entanto, esse declínio, que se acentuou a partir de 1950, era relativo e não absoluto. O êxodo rural foi mais acentuado nas décadas posteriores a 1970.”
Com essas informações, claro fica que o inchaço nas grandes cidades teve como maior conseqüência o êxodo rural. E com isso, não havendo como os grandes Municípios se estruturarem para receber um grande número de pessoas em pouco espaço de tempo, surgiram as favelas, que nada mais são do que amontoados de pessoas que moram sem as mínimas condições, já que em muitas situações, sequer dispõem de serviços básicos como água, energia elétrica e transporte público.
Por outro lado, não dispondo essas pessoas de trabalho em razão da falta de qualificação profissional para as atividades urbanas, bem como porque não tem a economia capacidade para gerar empregos para absorver a grande demanda, surge o fenômeno do desemprego, com as suas inevitáveis conseqüências, como o problema dos moradores de rua e da violência urbana.
E o mais preocupante é que hoje não há mais como se fazer o caminho de volta, ou seja, não há como trazer de volta ao campo as pessoas que migram para as grandes cidades. O que é ainda possível fazer é criar políticas públicas para evitar que os processos migratórios continuem se acentuando cada vez mais.
Um comentário:
A reforma agrária defendida pelo Stédile é uma bandeira ideológica que não se sustenta economicamente. O governo poderia incentivar e apoiar pequenas agroindústrias, cooperativas de agricultores/pecuaristas para desenvolver técnicas, cultivares e comercialização. Os pequenos agricultores mudam-se para as cidades pelas facilidades que encontram. Pequenos agropecuaristas só sobrevivem se produzirem com maior valor agregado, pois não tem escala. Portanto antes de ser político o problema é econômico.
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