domingo, 15 de fevereiro de 2015

ADVOCACIA EM ALERTA. STJ RECONHECE QUE O DIREITO A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NÃO É ABSOLUTO E MANTÉM CONDENAÇÃO DE JORNALISTA POR OFENSA A MINISTRO DO STF




A noção de liberdade é demasiadamente ampla, em razão disso, deve ser entendida como um ideal a ser seguido pelos legisladores e operadores do Direito. E é por ser o direito à liberdade extremamente amplo, não consistindo tão somente no direito de ir e vir, amparado por habeas corpus, que o cidadão também tem direito à liberdade de expressão, de culto, credo ou religião, de profissão, de desenvolver atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, dentre outros. Para Pedro Frederico Caldas, no seu livro vida privada, liberdade de imprensa e dano moral, São Paulo: Saraiva, 1997, p. 64, “Ser livre comporta dimensão física (poder ir, vir, ficar, fazer, não fazer) e dimensão moral, ou liberdade psicológica (de pensamento, de crença, de expressão oral ou verbal).”

           Por sua vez, Celso Ribeiro Bastos, no curso de direito constitucional, São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p. 329, esclarece que “a liberdade de expressão é tida como um dos direitos mais fundamentais dentre todos os direitos fundamentais. Talvez por isso mesmo seja uma das que maior número de problemas levante.” De fato tem razão Celso Ribeiro Bastos, tanto que nos últimos tempos, muito se tem falado a esse respeito. Essa matéria de fato é polêmica, por isso precisa ser bem analisada para que tiremos a nossa conclusão, o que não quer dizer que não existam respeitáveis opiniões em contrário.

A Constituição brasileira, no seu art. 5º, inciso IV afirma que “é livre a manifestação de pensamento, vedado o anonimato.” Acrescenta ainda o inciso IX do art. 5º da Constituição Federal que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.” Ressalte-se ainda que segundo a DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS SOBRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, aprovada no seu 108º período ordinário de sessões, celebrado de 16 a 27 de outubro de 2000, “A liberdade de expressão, em todas as suas formas e manifestações, é um direito fundamental e inalienável, inerente a todas as pessoas. É, ademais, um requisito indispensável para a própria existência de uma sociedade democrática.” Como se vê, a liberdade de expressão é um direito fundamental. Por outro lado, não podemos perder de vista que o inciso X do mesmo artigo 5º. da Constituição Federal assegura o direito a inviolabilidade da intimidade, quando diz que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

Em assim sendo, estabelece-se aí um conflito de direitos fundamentais, uma vez que, se por um lado a Constituição assegura a liberdade de expressão, por outro garante a todos a inviolabilidade da intimidade e da vida privada.

Infelizmente, nem sempre as pessoas procuram dar aos dispositivos constitucionais e legais, a melhor interpretação e aí, segundo Pedro Gabriel Lanza Reis, “tem muita gente confundindo liberdade de expressão com falta de respeito.” E, no nosso entender, a Constituição Federal, muito embora seja clara quanto à liberdade de expressão, estabelece um limite, qual seja, o direito a intimidade e a vida privada das pessoas, na conformidade do que se encontra previsto nos artigos 20 e 21 do Código Civil.

Quanto ao direito à vida privada das pessoas, o art. 21 do Código Civil esclarece que “a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.” Comentando o art. 21 do Código Civil, o ex-Ministro do STF, Cezar Peluso, no Código Civil Comentado, 4. Ed. Barueri, Manole, 2010, p. 42 e 43, esclarece que o “Corolário de regra constitucional (art. 5º, X, da CF/88), é vedada a intromissão de estranhos na vida privada. Trata-se de obrigação de não fazer decorrente da lei e cujo descumprimento pode ser coibido mediante provimento jurisprudencial de natureza cominatória.” O fato é que a liberdade de expressão não é um direito absoluta, uma vez que esbarra no direito que o outro, igualmente tem da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem. E foi com base nisso que o Jornalista Paulo Henrique Amorim foi condenado a pagar danos morais ao Ministro Gilmar Mendes do STF por tê-lo ofendido em publicação no Blog Conversa Afiada. Sobre o assunto leiam a notícia encontrada no site do STJ:  

“A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) que condenou o jornalista Paulo Henrique Amorim a indenizar em R$ 50 mil o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes por publicação ofensiva veiculada em seu blog Conversa Afiada.

Na ação de reparação por danos morais movida contra o jornalista, Gilmar Mendes sustentou ter sofrido, em julho de 2008, críticas capazes de induzir o leitor a crer que ele seria corrupto e criminoso. Paulo Henrique Amorim publicou em seu blog uma paródia da campanha publicitária de uma empresa de cartão de crédito, na qual qualificou o então presidente do STF como "comparsa" de famoso banqueiro acusado de práticas criminosas.

O TJDF reconheceu a existência de dano moral e o consequente dever de indenizar, tendo em vista que o jornalista extrapolou os limites do exercício do direito de informação ao se referir ao magistrado com o intuito de depreciar sua imagem.

No recurso ao STJ, Paulo Henrique Amorim alegou que não houve dano moral indenizável e que o valor da indenização implicaria enriquecimento sem causa da outra parte. Segundo a defesa, o jornalista exerceu o direito de expressão sem intuito de ofender.

Liberdade não é absoluta

Em seu voto, o relator do recurso, ministro Marco Buzzi, ressaltou que a liberdade de informação e de comunicação não é absoluta e deve ser apoiada em fatos verdadeiros objetivamente apurados. Disse que seu exercício deve observar os parâmetros estabelecidos na Constituição Federal.

Segundo o relator, o interesse social inerente ao direito de informação não exime o jornalista de pautar-se pela verdade. Para ele, esse dever foi violado quando o jornalista veiculou em seu blog texto capaz, por si só, de induzir o leitor a acreditar que o então presidente do STF seria "comparsa" de um banqueiro acusado de condutas criminosas, sem elementos fidedignos aptos a justificar tal acusação.

Citando doutrina e precedentes, o relator entendeu que a publicação extrapolou os limites meramente informativos e opinativos do ofício jornalístico, acarretando ofensa à honra e à imagem da vítima e ‘passando a ideia de que o ‘jeitinho brasileiro’ e a corrupção alcançam indistintamente todos os órgãos e poderes, servidores públicos e profissionais de carreira de estado, incluído aí o guardião da Constituição ora litigante’.

Em relação à indenização, Marco Buzzi considerou que o valor foi fixado com moderação, razoabilidade e bom senso, atendendo às peculiaridades do caso.

‘Para modificar as conclusões consignadas no acórdão impugnado e reputar exagerado o quantum arbitrado, como quer a parte agravante, seria necessário o reexame de provas, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ’, concluiu o ministro. A decisão foi unânime.”

CONCLUSÃO: Em assim sendo, o direito à liberdade de expressão, por mais essencial que seja para a boa saúde da democracia, assim como qualquer outro direito fundamental, não pode e não deve ser considerado absoluto. E como mostrado, colide com o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, inclusive em relação às pessoas públicas (artistas, desportistas famosos, celebridades e políticos), ressalvados os casos previstos em lei, podendo encontrar o seu limite em virtude da aplicação prática do princípio da proporcionalidade.


Nenhum comentário: