Essa
decisão do Superior Tribunal de Justiça é de uma relevância especial. Nesse
caso, como se vê, o Banco do Brasil executou uma dívida já prescrita. Em assim
sendo, e considerando que se trata de matéria de ordem pública, o Juiz deveria ter afastado a execução, independentemente de arguição da prescrição, já que o título de crédito que deu causa ao leilão não tinha mais força
executiva.
O
título de crédito de acordo com o artigo 206 do Código Civil, §3º, inciso VIII prescreve
em 3 (três) anos. Senão vejamos:
Art.206. Prescreve:
(...)
§3º. Em 3
(três) anos
(...)
VIIII – a
pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento,
ressalvada as disposições de lei especial;
(...)
Para melhor esclarecer o
assunto, falemos um pouco sobre as cédulas de crédito rural, título de crédito
a que se reporta a notícia. Com o fito de aparelhar os bancos para atender à
demanda de crédito, criou-se a Cédula de Crédito Rural, através do Decreto-Lei
nº 167/67, pois só assim facilitaria a operacionalização desses negócios e
daria mais segurança às instituições financeiras. Estas precisavam de
mecanismos que facilitassem as contratações e, ao mesmo tempo, lhes dessem
segurança, por isto que a Cédula de Crédito Rural foi criada e introduzida no
direito brasileiro como título de crédito. Segundo Martins (1998, p. 210):
“Foi, contudo, o Decreto-Lei no. 167, de 14 de fevereiro de 1967, que melhor dispôs sobre os títulos de crédito destinados ao financiamento rural, regulando-os devidamente. Nos termos desse diploma legal, ‘o financiamento rural concedido pelos órgãos integrantes do sistema nacional de crédito rural à pessoa física ou jurídica poderia efetuar-se por meio das cédulas de crédito rural’, na forma de regulamentação constante desta lei. Dispõe, também, o Decreto-Lei (da mesma forma que o fizera a Lei no. 253, de 1957), sobre a Nota Promissória Rural e instituiu a Duplicata Rural, para ser usada por produtores rurais ou suas cooperativas. Houve, assim, uma extensão, devidamente adaptada, às atividades rurais, de títulos já utilizados nas atividades comerciais em geral. Na realidade, o Governo não foi feliz na regulamentação da Nota Promissória Rural e da Duplicata Rural; salva-se, porém, a intenção de pôr à disposição de agricultores e pecuaristas instrumentos capazes de facilitar as suas atividades. Essas, como se sabe, estão afastadas, de modo injusto, das atividades comerciais, o que faz com que o rurícola, agricultor ou pecuarista, fique privado de muitas das regalias de que gozam os que se dedicam ao comércio e à indústria.”
“Foi, contudo, o Decreto-Lei no. 167, de 14 de fevereiro de 1967, que melhor dispôs sobre os títulos de crédito destinados ao financiamento rural, regulando-os devidamente. Nos termos desse diploma legal, ‘o financiamento rural concedido pelos órgãos integrantes do sistema nacional de crédito rural à pessoa física ou jurídica poderia efetuar-se por meio das cédulas de crédito rural’, na forma de regulamentação constante desta lei. Dispõe, também, o Decreto-Lei (da mesma forma que o fizera a Lei no. 253, de 1957), sobre a Nota Promissória Rural e instituiu a Duplicata Rural, para ser usada por produtores rurais ou suas cooperativas. Houve, assim, uma extensão, devidamente adaptada, às atividades rurais, de títulos já utilizados nas atividades comerciais em geral. Na realidade, o Governo não foi feliz na regulamentação da Nota Promissória Rural e da Duplicata Rural; salva-se, porém, a intenção de pôr à disposição de agricultores e pecuaristas instrumentos capazes de facilitar as suas atividades. Essas, como se sabe, estão afastadas, de modo injusto, das atividades comerciais, o que faz com que o rurícola, agricultor ou pecuarista, fique privado de muitas das regalias de que gozam os que se dedicam ao comércio e à indústria.”
São quatro as modalidades de
Cédulas de Crédito Rural: Cédula de Crédito Rural Pignoratícia, Cédula de
Crédito Rural Hipotecária, Cédula de Crédito Rural Pignoratícia e Hipotecária e
a Nota de Crédito Rural, das quais só esta última não admite garantia real. Diz
a lei que ‘‘cédula de crédito rural é um título civil, líquido e certo,
exigível pela soma dele constante ou do endosso, além dos juros, da comissão de
fiscalização, se houver, e demais despesas que o credor fizer para segurança,
regularidade e realização do seu direito creditório” (art. 10). Afirma Martins
(1998, p.212):
“Considera a lei o título
como civil por se prender a atividades rurais, em regra afastadas do campo do
direito comercial. Essa orientação, contudo, é passível de críticas, pois se
sabe que muitas atividades rurais podem ficar sujeitas ao direito comercial,
bastando que a empresa agrícola tome, por exemplo, a forma de sociedade
anônima.
Ademais, a tendência atual é
para considerar atividades rurais, quando exercida profissionalmente, com
intuito de lucro, abrangidas pelo direito comercial, abandonando-se a antiga
orientação de que as atividades agrícolas seriam sempre civis, do mesmo modo
que acontece com as atividades imobiliárias. Além disso, as cédulas de crédito
rural se valem de institutos próprios dos títulos de crédito, que são títulos
puramente comerciais, muito embora utilizados por comerciantes e não
comerciantes.” Vejamos a seguir a notícia encontrada no site do STJ:
O
Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou seguimento a recursos do Banco do
Brasil (BB) e da arrematante de um imóvel rural de 109 mil metros quadrados em
Santa Catarina. O sítio havia sido leiloado para quitar uma dívida do
proprietário no valor de R$ 1,4 mil, que a Justiça local considerou prescrita.
Com a decisão do ministro Raul Araújo, o agricultor volta a ser proprietário do imóvel. O relator também cassou liminar anterior que mantinha temporariamente o resultado do leilão.
Execução
A nota de crédito rural foi contratada em 1997. Quando iniciada a execução, em 2003, o valor da dívida era de R$ 3,3 mil. Avaliado à época em R$ 11 mil, o imóvel foi adquirido por R$ 14 mil. Com o leilão, a execução da nota de crédito vencida foi extinta. O ex-proprietário recorreu, sustentando a inalienabilidade do bem, destinado à sua subsistência, e a nulidade da execução, baseada em título prescrito.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) reconheceu a nulidade da execução movida pelo BB. Para o TJ, a dívida decorrente da nota de crédito rural prescreve em três anos de seu vencimento, prazo que já estava ultrapassado quando iniciada a cobrança judicial. Com isso, todo o processo deveria ser anulado, inclusive a arrematação, mesmo depois de assinado seu respectivo auto.
Advocacia judiciária
Em seu recurso especial contra essa decisão, o BB afirmava que a nota de crédito previa prorrogação automática de seu vencimento, nos termos de resolução do Ministério do Trabalho relativa ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Apontava também nulidade do acórdão do TJSC por incorrer em ‘advocacia judiciária’, em trecho que sugeriria à arrematante ‘buscar ressarcimento de eventuais perdas e danos do banco apelado’. A decisão extrapolaria os limites da lide, contrariando o Código de Processo Civil (CPC).
Para o ministro, o recurso do BB não reunia condições de ser conhecido. O TJSC já não havia admitido a subida do recurso para o STJ por considerar que a resolução do Ministério do Trabalho não se equipara a lei para fins de justificar o cabimento de recurso especial sob alegação de negativa de vigência de norma federal, e esse fundamento da decisão local não foi impugnado pelo banco.
Além disso, o relator considerou que o TJSC aplicou a Lei Uniforme de Genebra para apurar o prazo de prescrição, não analisando a resolução, apesar de provocado a tal pelo BB. Conforme o ministro, o banco não buscou recorrer por violação ao artigo 535 do CPC, em razão da eventual persistência do TJ em omitir-se sobre o tema.
Ato perfeito
O recurso da arrematante também foi rejeitado. Ela argumentava ser impossível desconstituir a arrematação depois de o ato se tornar perfeito, com a lavratura do auto de arrematação. No seu entender, caberia ao antigo proprietário apenas buscar eventual indenização pela perda do bem, mesmo assim em ação própria.
O ministro esclareceu que o TJSC afirmou que, havendo vício de nulidade, a arrematação pode ser tornada sem efeito. Como a execução se baseara em título sem força executiva, porque prescrito, todos os atos decorrentes, inclusive a arrematação, deveriam ser anulados.
Conforme apontou o relator, a recorrente não atacou esse fundamento, sustentando apenas que o ato de arrematação seria irretratável após a lavratura do auto. Por isso, seu recurso não pode ser conhecido.
Honorários
O BB também recorria contra os honorários, fixados pelo TJSC em R$ 5 mil. Para o BB, os honorários não poderiam superar o valor da causa. Para o ministro Raul Araújo, no entanto, a jurisprudência do STJ admite que honorários arbitrados por equidade em execução sejam superiores ao valor dado à causa, já que esse critério não é limitado ou vinculado pela lei."
Com a decisão do ministro Raul Araújo, o agricultor volta a ser proprietário do imóvel. O relator também cassou liminar anterior que mantinha temporariamente o resultado do leilão.
Execução
A nota de crédito rural foi contratada em 1997. Quando iniciada a execução, em 2003, o valor da dívida era de R$ 3,3 mil. Avaliado à época em R$ 11 mil, o imóvel foi adquirido por R$ 14 mil. Com o leilão, a execução da nota de crédito vencida foi extinta. O ex-proprietário recorreu, sustentando a inalienabilidade do bem, destinado à sua subsistência, e a nulidade da execução, baseada em título prescrito.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) reconheceu a nulidade da execução movida pelo BB. Para o TJ, a dívida decorrente da nota de crédito rural prescreve em três anos de seu vencimento, prazo que já estava ultrapassado quando iniciada a cobrança judicial. Com isso, todo o processo deveria ser anulado, inclusive a arrematação, mesmo depois de assinado seu respectivo auto.
Advocacia judiciária
Em seu recurso especial contra essa decisão, o BB afirmava que a nota de crédito previa prorrogação automática de seu vencimento, nos termos de resolução do Ministério do Trabalho relativa ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Apontava também nulidade do acórdão do TJSC por incorrer em ‘advocacia judiciária’, em trecho que sugeriria à arrematante ‘buscar ressarcimento de eventuais perdas e danos do banco apelado’. A decisão extrapolaria os limites da lide, contrariando o Código de Processo Civil (CPC).
Para o ministro, o recurso do BB não reunia condições de ser conhecido. O TJSC já não havia admitido a subida do recurso para o STJ por considerar que a resolução do Ministério do Trabalho não se equipara a lei para fins de justificar o cabimento de recurso especial sob alegação de negativa de vigência de norma federal, e esse fundamento da decisão local não foi impugnado pelo banco.
Além disso, o relator considerou que o TJSC aplicou a Lei Uniforme de Genebra para apurar o prazo de prescrição, não analisando a resolução, apesar de provocado a tal pelo BB. Conforme o ministro, o banco não buscou recorrer por violação ao artigo 535 do CPC, em razão da eventual persistência do TJ em omitir-se sobre o tema.
Ato perfeito
O recurso da arrematante também foi rejeitado. Ela argumentava ser impossível desconstituir a arrematação depois de o ato se tornar perfeito, com a lavratura do auto de arrematação. No seu entender, caberia ao antigo proprietário apenas buscar eventual indenização pela perda do bem, mesmo assim em ação própria.
O ministro esclareceu que o TJSC afirmou que, havendo vício de nulidade, a arrematação pode ser tornada sem efeito. Como a execução se baseara em título sem força executiva, porque prescrito, todos os atos decorrentes, inclusive a arrematação, deveriam ser anulados.
Conforme apontou o relator, a recorrente não atacou esse fundamento, sustentando apenas que o ato de arrematação seria irretratável após a lavratura do auto. Por isso, seu recurso não pode ser conhecido.
Honorários
O BB também recorria contra os honorários, fixados pelo TJSC em R$ 5 mil. Para o BB, os honorários não poderiam superar o valor da causa. Para o ministro Raul Araújo, no entanto, a jurisprudência do STJ admite que honorários arbitrados por equidade em execução sejam superiores ao valor dado à causa, já que esse critério não é limitado ou vinculado pela lei."
São
as cédulas de crédito rural títulos de crédito com características próprias, o
que não é de admirar, considerando que foram criadas em função de um objetivo
específico, o de propiciar maiores facilidades e segurança aos bancos na
concessão de crédito agrícola. Essa ferramenta criada no início do Regime
Militar teve uma importância capital para o objetivo pretendido, que era levar
o crédito rural para o maior número possível de produtores em todos os recantos
do País, visando elevar a produção agropecuária do país para gerar excedentes
de produção para o mercado internacional, e para formar a sofisticada cadeia de
atividades conhecida hoje como agronegócio.
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